Homens leem mapas melhor do que mulheres

In Cultura, Geral

Pesquisa da Royal Society of Open Science define que a genética não tem influência na aptidão masculina, mas uma construção misógina pode ser a razão.

Paula Orling

É senso comum que mulheres são mais emocionais e homens mais racionais. Por isso, a inteligência espaço visual deles costuma ser melhor desenvolvida. Com o objetivo de comprovar ou desmistificar esta teoria, em janeiro deste ano, a revista científica Royal Society of Open Science publicou uma pesquisa a este respeito. Indicou-se que existe sim uma diferença entre homens e mulheres em relação à leitura de mapas e a inteligência espaço-visual.

Apesar da maior facilidade dos homens em lidar com a navegação espacial, os pesquisadores concluíram “que as diferenças de gênero na habilidade espacial são mais provavelmente devido a fatores experienciais e/ou efeitos biológicos não selecionados, em vez de resultados funcionais da seleção natural.”

Um pouco de genética está envolvido, mas trata-se de uma tendência socialmente construída. O autor do estudo, o professor Justin Rhodes, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, defende que a ideia de que homens são melhores nestas habilidades parte de um pensamento misógino. 

Ele acredita que a posição está diretamente ligada à teoria da “superioridade masculina”, ligada à misoginia. “Acho que isso tem implicações culturais”, assume em entrevista à BBC. Eles explicam que os homens são expostos a mais situações em que a habilidade de geolocalização é necessária do que as mulheres.

Embasamento empirista

Rhodes e outros pesquisadores defendem que a constante prática leva ao aperfeiçoamento, razão pela qual homens são melhor preparados para lidar com o universo espacial. Esta é uma visão moderna e científica da teoria de John Locke.

O filósofo britânico defendeu a teoria empirista da “tábula rasa”, a ideia de que todos os seres humanos nascem como folhas em branco, sem tendências ou ideias intrínsecas. Todas as construções de posicionamentos e crenças partem da exposição à sociedade.

Ele defendeu: “a mente é como papel em branco, desprovida de todas as características, sem nenhuma ideia impressa sobre ela, como é comumente expresso, que ela é puramente passiva, recebendo todas as formas de impressão, a saber, todas as percepções, de fora” (John Locke, “Ensaio Acerca do Entendimento Humano”, Livro II, Capítulo I, Seção 2).

Fundamento para o senso comum

Até a publicação da pesquisa da Royal Society of Open Science, defendia-se a superioridade masculina nas áreas espaciais por conta de um estudo prévio que analisou 11 espécies, incluindo os humanos. Neste estudo, as conclusões apontaram que, com exceção dos chimpanzés, os machos têm melhor senso de direção.

A questão que deixou os pesquisadores insatisfeitos foi a amostragem da espécie humana. As sociedades analisadas foram grupos de subsistência, que usam a caça e a coleta para sobreviver. Nestas populações, é comum que o homem seja responsável pela caça, desenvolvendo maior senso geográfico pela necessidade de sobrevivência.

Rhodes associa esta capacidade mais desenvolvida nos homens das sociedades estudadas ao conceito de “neuroplasticidade”, em que o cérebro passa por modificações para se adequar ao ambiente. A cada nova experiência, o cérebro se reestrutura, formando novas sinapses. Esta foi a conclusão da nova pesquisa, em que 10 espécies foram adicionadas e outros grupos humanos observados. 

Construção infantil

A capacidade dos homens em lidar com o espaço ao redor tem fundamento na infância. Ao determinarem que não existem aspectos genéticos substanciais para determinar que homens têm esta habilidade melhor trabalhada do que as mulheres, os especialistas passaram a procurar respostas no desenvolvimento comportamental.

No interior do Paraná, Gustavo Erthal foi criado por uma família de agricultores. Crescendo em uma família tradicional, desenvolveu seu senso de espaço desde muito cedo.

Quando criança, gostava das “brincadeiras de menino”, como o jogo de montar blocos. Além disso, sendo filho e homem, era papel dele ajudar a família no ramo agrário. “Na infância, sob a orientação de meu pai na zona rural, desenvolvi habilidades de geolocalização, aprendendo a me orientar pelo sol. Essa experiência moldou minha aptidão desde cedo”, acredita.

Desde cedo as experiências o moldaram para enxergar a vida com lentes precisas. Hoje, mora na capital do estado, Curitiba, e não tem dificuldade para se localizar na metrópole.

Contraponto

Em contrapartida, dados divulgados pela ScienceDirect, página de pesquisa acadêmica alimentada pela editora holandesa Elsevier, detectam que a dosagem hormonal está ligada ao que chamam de “cognição espacial”. 

Na pesquisa divulgada em 2016, dois grupos de mulheres saudáveis foram estudados. Enquanto um grupo recebeu doses extras de testosterona, outro grupo recebeu pílulas que, na verdade, eram placebo. Assim, apenas metade das estudadas receberam o hormônio, mas todas acreditavam tê-lo recebido.

Durante o tempo que os grupos recebiam as pílulas, eram testados no conhecimento sobre o ambiente virtual, a estratégia de navegação auto-relatada e as habilidades de rotação mental, além de serem submetidos a ressonâncias magnéticas. 

Os estudiosos perceberam que as mulheres que receberam testosterona “apresentaram representações aprimoradas das direções dentro do ambiente e obtiveram um desempenho significativamente melhor na tarefa de rotação mental em comparação com o grupo do placebo”, em tradução livre.

Estes dados não foram contraditos ou questionados pela pesquisa da Royal Society of Open Science.

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