Estudos atuais mostram a diferença que a arquitetura pode ter em relação ao bem-estar das pessoas, tendo o potencial de estimular positivamente ou negativamente o cérebro humano.
Milla Katherinne
A neuroarquitetura surge para estudar o impacto de fatores sensoriais presentes na arquitetura, urbanismo e design e consequentemente, criar métodos que visam melhorar o bem-estar das pessoas. Estudar como a arquitetura pode interferir nos espaços impacta nossas sensações, percepções, emoções, aprendizagem e criatividade.
Segundo o psicanalista e especialista em Neuroaprendizagem e TDAH, Réges Marth, “o ambiente construído influencia no comportamento humano, e o ser humano interfere no espaço construído, logo, a neuroarquitetura precisa estar em todos os espaços”, afirma.
Neurociência e a arquitetura
O psicanalista Réges Marth explica que “a neurociência, é aquela que se preocupa em estudar como funciona o nosso sistema nervoso e este possui um processo muito complexo e extenso. Por conta disso, hoje ela está muito diversificada devido às inúmeras possibilidades de atuação deste nosso sistema.”
Ele acrescenta ainda que a neurociência foi sendo subdividida, para que os estudos sobre o nosso cérebro fossem mais específicos e direcionados, e com isso surgiram diversas áreas como a neuro-aprendizagem, neuroeducação e a neuroarquitetura.
As variáveis ambientais que podem influenciar
As variáveis ambientais podem vir a influenciar diretamente nos resultados de aprendizagem, memorização, criação e tantos outros processos neurológicos que dependem da intensidade dessas variáveis para sua atuação sobre o indivíduo, afirma Réges Marth.
O psicanalista exemplifica que estar numa sala de aula no sul do Brasil no inverno requer uma estrutura bem diferente do que a de uma sala de aula na região nordeste do país. Usando a variável ambiental do clima, existe uma necessidade em se adaptar ao clima de cada região, além das quatro estações do ano. Sendo assim, um dos primeiros elementos para criar um ambiente agradável é adaptá-lo à necessidade do local.
Se estas características climáticas não forem controladas pelo desenho estrutural arquitetônico, o comportamento pode vir a ser afetado, como para focar em algo é necessário que o ambiente em que está, tenha condições agradáveis necessárias.
Portanto o psicanalista Réges afirma que “se o sistema nervoso precisa se concentrar para acessar o sistema de termorregulação do corpo para equilibrar a temperatura interna por causa do frio, a atenção já estará sendo dividida, pois está sendo necessário alterar o batimento cardíaco para distribuir sangue nas extremidades frias, consequentemente, aumentará a frequência respiratória, e somente com estes dois aspectos fisiológicos alterados, haverá menos oxigênio sendo transportado para o sistema nervoso”.
Ele continua afirmando que “o cérebro percebe que tudo isso começa a trabalhar num ritmo mais estressado, atentando constantemente para a sobrevivência do indivíduo e pouco para o que ele está fazendo. Na verdade, o cérebro deixa o corpo em alerta constante para buscar se aquecer e consequentemente, surge o cansaço, fadiga e a incapacidade de aprender.”
Fatores predominantes para trabalhar com a Neuroarquitetura
O especialista Réges afirma que a neuroarquitetura é uma área que tem foco para além do belo, a ideia desse nicho da neurociência é propor uma experiência que permite o indivíduo se comportar reagindo e interagindo com espaço. Não somente experiências de beleza e bem-estar, mas também de cura, de busca de autoconhecimento e pertencimento ao espaço enquanto indivíduo pensante, conclui.
Ele conta que em 2019 a Google Milan Design Week colocou no pulso de seus visitantes um aparelho que mensurava como o corpo da pessoa reagia a cada ambiente, como parte de um experimento importantíssimo. O objetivo era obter resultados que pudessem comprovar o quanto o ambiente influencia as pessoas, e mesmo diante de resultados individuais, ficou provado de forma mensurável o impacto dos ambientes.
Réges conta ainda que certa feita, o arquiteto Michael Murphy, na África do Sul, inovou na forma de construir hospitais, pois, ele propôs novos espaços livres, ventilados, e muito mais iluminados e, criando uma atmosfera mais agradável e consequentemente mais saudável.
A arquitetura e o bem-estar
A arquiteta Cinara Neves, explica que o conceito de Neuroarquitetura consiste basicamente na relação entre a arquitetura de um ambiente e o impacto que o cérebro recebe conforme a organização do espaço construído. Ela acrescenta ainda que “com estudos mais aprofundados a neurociência conseguiu observar que alguns comportamentos humanos podem ser ativados através de elementos arquitetônicos (cores, texturas, iluminação etc.) trazendo diferentes sensações e reações ligadas ao bem-estar.”
A compreensão mais aprofundada das emoções, das respostas corporais automáticas e inconscientes, pode auxiliar a conceber edifícios e ambientes que impactam ainda mais intimamente as pessoas. Projetando ambientes agradáveis residenciais, comerciais, hospitalares e culturais”, afirma a arquiteta.
De acordo com a arquiteta Cinara Neves, existem diversas formas de criar experiências pensando na aplicação na melhoria da qualidade de vida do ser humano. Dentre elas temos:
Disposição do ambiente (layout)
Criamos hábitos em função dos espaços que vivemos, muitas vezes as nossas rotinas estão inconscientemente baseadas no local em que vivemos e trabalhamos. Assim a projeção adequada do ambiente pode gerar danos ou bônus ao nosso bem-estar. Por essa razão, às vezes é importante e positivo redecorar, reorganizar objetos e móveis de forma diversa para ampliar as nossas possibilidades de percepção, criar outros esquemas para nossas emoções, pensamentos e atitudes.
Iluminação
Iluminação, natural ou artificial é importante para a criação de um ambiente, uma vez que sem luz não existe vida! Trabalhar e habitar um local com bom aproveitamento da luz natural costuma trazer para as pessoas o sentimento de ânimo, de melhor humor.
Acústica
Ambientes ruidosos podem ser benéficos ou prejudiciais ao destino de um determinado ambiente e até mesmo características pessoas de quem ali desfruta do ambiente, seja ele de qualquer âmbito. Existem pessoas que alcançam mais produtividade pessoal em ambientes ruidosos, já outras respondem melhor ao silêncio. Nesse aspecto, a neuroarquitetura busca para os usuários de um espaço o conforto auditivo adequado às necessidades.
Cores
A coloração de um determinado local vai influenciar o espaço e as pessoas que ali estão presentes. As cores causam grande impacto no cérebro, a prova disso é que muitas vezes a pintura de uma parede ou as cores dos móveis podem fazer toda diferença em como as pessoas se sentem em um lugar.
Vegetação (biofilia)
É comprovado cientificamente que o uso de vegetação traz relaxamento e bem estar às pessoas. Por isso, é importante investir no paisagismo, uma vez que agrega valor aos espaços, incentiva a contemplação e a permanência. O uso de vegetação também gera a purificação do ar, influencia na sensação térmica e na acústica.
Aromas
Cheiro de café ou bolo recém assado traz a todos uma visita ao passado, principalmente casa da mãe ou da vó. Os aromas geram sensações de prazeres quase que instantâneos, remetendo a fatos que são ativados ao perceber o meu aroma que estava presente em um determinado fato vivido.
O impacto da arquitetura no bem-estar humano
De acordo com a arquiteta, somos impactados por tudo que acontece em nosso entorno e, ao recordar lembranças ao longo da vida, reconhecemos o sentimento gerado por aquela experiência. Por isso, o fator predominante para trabalhar a neurociência aplicada à arquitetura é o autoconhecimento. Dessa forma, será possível despertar os estímulos desejados de acordo com as particularidades de cada pessoa, ocasionando o conforto e bem-estar ao seu estilo de vida, afirma Cinara.
Deste modo, existem diferentes variáveis ambientais que podem ser controladas para criar boas experiências, gerando, assim, as emoções ideais ao espaço e à mente. “Trabalhar aromas no ambiente ajuda a criar memórias afetivas, já as formas da edificação e dos objetos têm o valor de realçar a beleza e a funcionalidade daquele lugar. Outra variável ambiental que agrega sensações aos espaços é a biofilia, que cria uma sensação de reconexão à natureza”, afirma a arquiteta.
Ela acrescenta ainda que as cores também possuem um papel importante dentro da neuroarquitetura, pois reforçam a personalidade do local e despertam diferentes emoções. Cinara afirma ainda que trazer soluções além de estéticas para determinados ambientes e analisar as sensações que eles proporcionam de forma positiva ao usuário do ambiente também deve ser levado em consideração.
Assim os diversos conceitos da arquitetura, urbanismo e design de interiores que agregam aspectos da neuroarquitetura como: iluminação, temperatura, presença da natureza e distribuição dos espaços.
“Em qualquer projeto, devemos atender as percepções emocionais que os indivíduos que usaram o local podem emitir. O bem-estar está ligado a fatores ambientais, sejam eles naturais ou artificiais, gerando um grande benefícios”, conclui Cinara Neves.