O remédio Ozempic ficou famoso por trazer bons resultados para quem busca perder peso, mas não foi originalmente produzido para este fim.
Sâmilla Oliveira
O Ozempic é um medicamento do grupo farmacêutico dinamarquês chamado Novo Nordisk. A empresa defende a ideia de impulsionar a luta contra as doenças crônicas graves, principalmente a diabetes. Apesar de ser indicado para o tratamento da doença, o medicamento em questão é fortemente divulgado nas redes sociais como um agregado de quem procura emagrecer rapidamente. A perda de peso, mesmo não sendo o objetivo para qual o remédio foi inicialmente desenvolvido, está descrito na bula como um efeito colateral ligado a um componente denominado semaglutida.
A utilização da semaglutida foi aprovada pela ANVISA em 2018 para o tratamento de diabetes tipo 2, mas apenas em doses pequenas de até 1mg. Em contrapartida, o medicamento passou a ser usado como um aliado de pessoas com obesidade. Nas redes sociais, o Ozempic passou a ser disseminado como um agregado de uma boa dieta para emagrecimento. “Uma caneta por dia”, expressão muito comentada nos vídeos do tiktok sobre o assunto.
Desde que o medicamento ganhou fama, algumas celebridades têm sido alvo de especulações quanto ao rápido emagrecimento. Oprah Winfrey, Kelly Osbourne, o bilionário Elon Musk e Maiara (da dupla com Maraísa) são alguns dos nomes acusados de terem usado o remédio de forma indevida.
Segundo um nutricionista produtor de conteúdo para a plataforma TikTok, quem toma o Ozempic emagrece porque não consegue comer. Isso ressalta o pulo de etapas como a reeducação alimentar, a adequação do ambiente, a mudança na relação com a comida e a prática regular de exercícios físicos. “Sem a mudança de hábitos, o medicamento é como tapar o sol com a peneira. Você dificilmente conseguirá manter os resultados”, afirma Rodrigo em sua rede social.
Objetivo da fabricação
O medicamento tem como efeito colateral a possibilidade de redução de até 17% do peso corporal em um período de um ano. Por isso, ele também tem sido procurado por indivíduos interessados em emagrecer de forma rápida, mesmo sem recomendação para o uso da substância, o que pode acarretar em riscos para a saúde.
De acordo com a nutricionista Karla Almeida, esse medicamento deve ser receitado originalmente por um médico, em um tratamento direcionado. Ela explica que ele pode causar vários efeitos colaterais como náusea, diarreia, vômito, desidratação, alterações no fígado, pâncreas, dor no estômago, cálculo biliar, tontura, cansaço, e por isso deve ser utilizado de forma adequada e receitada.
A nutricionista explica que o uso do medicamento para combater o sobrepeso não é indicado para todos. Segundo ela, o emagrecimento vai muito além disso. “Para emagrecer de forma saudável, seus hábitos alimentares precisam ser modificados, iniciando por uma alimentação saudável e equilibrada com uma dieta e ingestão de calorias adequadas que devem ser associadas a atividades físicas para manter o corpo ativo e trabalhar o déficit calórico”, afirma.
Karla considera que muitas vezes o maior desafio para alcançar um peso saudável está na relação que se tem com a comida e com os bons hábitos. “É fundamental reconhecer que a mudança verdadeira começa internamente, com uma nova mentalidade em relação à alimentação e também ao autocuidado. É preciso desenvolver uma consciência alimentar saudável e aprender a lidar com as emoções e gatilhos que levam ao excesso de comida, e para isso o trabalho de um psicólogo também pode ser necessário”, acrescenta.
Liberação
Anos depois da propagação da nova tendência nas redes sociais, em 2021, A Food and Drug Administration – FDA dos EUA (equivalente à ANVISA no Brasil) aprovou a injeção de um medicamento denominado Wegovy, que é a mesma substância do Ozempic, a semaglutida. A liberação foi de 2,4 mg uma vez por semana para controle crônico de peso em adultos com obesidade ou sobrepeso com pelo menos uma condição relacionada ao peso (pressão alta, diabetes tipo 2 ou colesterol alto), para uso em adição a uma dieta hipocalórica e aumento da atividade física.
Para Anthony Cornette, interno de medicina, hoje já não existem preocupações éticas sobre o uso do Ozempic para o emagrecimento. “Oficialmente falando, o Ozempic já foi liberado para uso literalmente direcionado para o emagrecimento. Não podemos mais dizer que é um uso off-label”, explica. O termo off label refere-se ao uso de medicamentos de uma maneira diferente daquela aprovada pela agência reguladora do país.
Segundo Anthony, o problema está no uso indiscriminado da substância. “As pessoas veem resultados, indicam umas para as outras sem nenhuma prescrição médica”, comenta. Ele acredita que existem muitas pessoas que não precisam usar Ozempic no processo de emagrecimento, mas usam porque viram a indicação nas redes sociais ou porque algum conhecido usou e deu certo.
Como o Ozempic trata a diabetes?
Anthony explica que o Ozempic é o antagonista do receptor de GLP-1. Ou seja, ele age no pâncreas, principalmente, aumentando a liberação de insulina e bloqueando a liberação de glucagon. A insulina serve para baixar o açúcar no sangue, ou seja, reduzir a glicemia. E o glucagon serve para aumentá-la. Então, com o bloqueio do glucagon e o estímulo da insulina, ocorre a baixa da quantidade de glicose no sangue.
Para Josuel Zimmermann, mesmo com o efeito colateral do enjoo, o Ozempic o ajuda muito no combate à diabetes. “Eu não comecei a usar Ozempic sem prescrição médica. Procurei um endocrinologista, conversei com meu médico e ele me explicou que esse era o melhor caminho para mim”, relata.
A nutricionista Larissa Mendes destaca o papel do medicamento no controle da fome e da glicose para pessoas diabéticas. Ela explica que o medicamento reduz a fome ao liberar hormônios que promovem saciedade, além de retardar a digestão dos alimentos, evitando picos de insulina e glicose no sangue.
Já para não-diabéticos buscando emagrecimento, o Ozempic atua na reserva energética, mas pode impactar negativamente o desejo por alimentos saudáveis, favorecendo a ingestão de doces e calorias extras. A especialista alerta para a perda da capacidade natural de regular a fome e a saciedade, resultando em escolhas alimentares menos saudáveis e mais prejudiciais.
Ela ressalta a importância de abordagens mais naturais e fisiológicas para a perda de peso, como mudanças nos hábitos alimentares e estratégias baseadas em proteínas e vegetais. Além disso, a profissional levanta preocupações sobre os custos e os possíveis efeitos colaterais do medicamento, destacando a importância de consultar diversos profissionais de saúde antes de decidir pelo uso do Ozempic. “Não é um medicamento de preço acessível para todos. É possível emagrecer sem ele, de forma consciente e equilibrada, gastando bem menos”, finaliza.