Entrevistamos uma especialista no assunto para esclarecer dúvidas sobre o tema.
Lucas Pazzaglini
As conversas sobre a pauta de racismo ambiental têm crescido muito nos últimos meses. Isso acontece, principalmente, pelos desastres naturais presenciados em locais como o Litoral Norte de São Paulo, que passou por chuvas e desabamentos.
Para esclarecer dúvidas que possam existir sobre o tema, entrevistamos a diretora de Clima e Cidade no Instituto de Referência Negra Peregum, Mariana Belmont. Com o objetivo de fortalecer a população negra e periférica, Mariana traz para debate a demanda urgente de combater o racismo ambiental. Confira nossas perguntas e respostas!
O que é o racismo ambiental?
O conceito de racismo ambiental foi cunhado pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. A origem do termo vem de suas pesquisas sobre os impactos dos resíduos tóxicos na população negra nos Estados Unidos. Em outras palavras, o racismo ambiental aborda as injustiças ambientais que colocam populações para morar perto de lixões, rios, entre outros locais que vulnerabilizam essas pessoas a partir de ações sistêmicas da sociedade.
É um termo utilizado para se referir ao processo de discriminação que populações periferizadas ou compostas de minorias étnicas sofre através da degradação ambiental. A expressão denuncia que a distribuição dos impactos ambientais não se dá de forma igual entre a população, sendo a parcela marginalizada e historicamente invisibilizada a mais afetada pela poluição e degradação ambiental.
O que a raça tem a ver com o meio ambiente?
A mesma relação que todos os ciclos econômicos do Brasil tiveram com a degradação ambiental. O Brasil viveu um período de aproximadamente 400 anos de escravidão. A abolição da escravidão – falsa abolição, como dizemos no movimento negro -, colocou negros e negras a viverem em regiões com menos estrutura e condições para a vida humana. Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais.
No espaço urbano, o efeito sobre a vida da população negra tem sido a desigualdade urbana promovida pelos ‘planos diretores’ (sem ampla participação social e formulados de forma a garantir os interesses de grandes capitalistas urbanos) que, nos últimos 20 anos do Estatuto das Cidades, torna as cidades violentas e criminosas para a vida ambiental, social, cultural e econômica das pessoas negras. O planejamento urbano é o racismo ambiental em perversidade visto e sentido nos espaços criminalizados (densamente populacional negro) geograficamente (aglomerados subnormais): as favelas, periferias, baixadas, morros, vales e palafitas.
Por que precisamos falar sobre isso?
Porque estamos falando de vidas. Daquilo que muitos especialistas ainda citam como algo que ainda irá acontecer, mas que já é realidade há anos em gerações de famílias negras e periféricas que precisam construir uma nova vida depois de enchentes, deslizamentos e outras catástrofes ambientais. O racismo ambiental afeta e viola os direitos daqueles que menos contribuíram para a crise climática e humanitária.
Existem exemplos atuais dos efeitos do racismo ambiental?
Quem é a maioria das pessoas que moram nas favelas, morros, nos beira dos rios, de trilhos e das represas em grandes cidades? É a população negra. Infelizmente, sempre quando falamos de racismo ambiental e seus impactos, estamos falando de vidas perdidas. Afinal, os corpos levados pelas enchentes, soterrados pelos deslizamentos e que são afetados pela escassez de alimentos nas cidades, também são os corpos negros em sua maioria.
O quão difundido é o termo?
O debate fundamental de racismo ambiental ainda não encontra ampla adesão, ou é negado, pelos movimentos ambientalistas no Brasil, assim como falta racializar as políticas públicas ambientais. Como resultado, temos a falta de segurança ambiental aos territórios urbanos e rurais de maioria populacional negra, impactada pela expropriação, poluição hídrica, atmosférica, pelos eventos climáticos extremos, pela morada em áreas de risco, pelo despejo de resíduos, pelo não acesso aos serviços de saneamento básico, impactados pelas enchentes, deslizamentos, doenças de veiculação hídrica, entre outros.
Como tornar o tema mais conhecido?
O movimento negro tem realizado uma série de ações para inserir o debate do racismo ambiental na centralidade da discussão climática. Precisamos destacar que não é de hoje que o movimento pesquisa e constrói o debate climático no Brasil.
Como cada comunidade é afetada pelo problema?
Em geral, é a população negra que vive nas zonas de sacrifício, entendidas como localidades em que o risco e a ameaça são constantes. E aqui é importante reforçar o óbvio: nenhuma pessoa vive em uma zona de sacrifício por tê-la escolhido como local ideal para viver. A ocupação de áreas íngremes, por exemplo, não deveria ser (mas, infelizmente, é) sinônimo de desastre para os mais pobres. Em cidades como a capital paulista, há morros que foram ocupados pelas elites, mas nos quais a fragilidade das condições topográficas foi mitigada por investimentos públicos e privados em infraestrutura. A carência de infraestrutura urbana para a permanência segura de moradias é produto da lógica que transforma a necessidade humana básica de morar, que é um direito, em mercadoria, por meio da especulação imobiliária.