Do impacto econômico à influência nas relações sociais, os realities vão além do entretenimento e transformam a cultura, o consumo e até a saúde mental dos brasileiros.
Natália Goes
Janeiro começou e, com ele, um dos realities shows mais assistidos da televisão brasileira. Segundo uma pesquisa da Wake Creators, empresa de marketing de influência baseada em dados, o programa Big Brother Brasil (BBB) é o reality show queridinho dos brasileiros entrevistados.
O programa foi escolhido por 61% dos participantes da pesquisa, seguido por Masterchef Brasil (10%) e Casamento às Cegas (8%). Além disso, o levantamento revelou que a TV aberta permanece como o principal canal de consumo desse tipo de conteúdo, escolhido por 73% dos entrevistados. Em segundo lugar, aparecem as plataformas de streaming, que vêm ganhando espaço.
Canais de consumo
Os dados demonstram não apenas o crescimento do gênero, mas também a ampla disseminação de seu conteúdo, que ultrapassa as barreiras da TV tradicional e torna-se uma discussão constante nas redes sociais e nos círculos de amigos.
A pesquisa apontou o Instagram como a principal plataforma para acompanhar conteúdos relacionados (93%), seguido pelo TikTok (65%), pelo X (33%) e pelo YouTube (25%).
O impacto psicológico de espiar
Quem nunca espiou um pouco da vida nos reality shows? Após o lançamento de um novo programa, é comum ver debates sobre os “personagens” criados pelos participantes para vencer o jogo. Os bordões marcantes, as discussões acaloradas, as provas e os prêmios mantêm os telespectadores envolvidos.
Essa imersão pode impactar a saúde psicológica de diferentes formas. A psicóloga Amanda Carvalho relata que há uma sobrecarga emocional causada pela visualização dessas narrativas intensas. “O tempo excessivo usado para acompanhar esses programas pode interferir em atividades cotidianas importantes, como trabalho, estudos e interações sociais”, explica.
Carvalho também comenta que a exposição excessiva pode impactar a saúde mental ao influenciar pensamentos, emoções e comportamentos. “Isso pode aumentar sentimentos de ansiedade, irritabilidade ou até promover visões pessimistas sobre as próprias interações sociais e a pessoa pode começar a internalizar os padrões de comportamento exibidos, especialmente se já tiver vivenciado experiências semelhantes”, afirma Amanda Carvalho.
Segundo a psicóloga, a identificação com os participantes também pode ter impactos ambíguos. “Isso pode tanto fortalecer a autoestima quanto prejudicá-la, dependendo do tipo de comparação que é feita”, afirma.
Além disso, o entretenimento intenso oferecido pelos reality shows pode servir como uma fuga de sentimentos de solidão ou insatisfação. “A falta de prazer ou realização em outras áreas da vida leva algumas pessoas a buscarem estímulos rápidos nesses programas, como forma de preencher lacunas emocionais”, alerta Carvalho.
Os impactos seguem também para os participantes que frequentemente enfrentam uma série de desafios psicológicos após a exposição midiática. “Essa experiência pode desencadear ansiedade, sentimentos de inadequação, até esgotamento emocional, dificuldades em lidar com críticas, pressão social e invasão de privacidade”, ressalta a psicóloga.
Reflexo e influência na sociedade
Do ponto de vista social, os reality shows refletem e influenciam os valores e comportamentos da sociedade. O mestre em filosofia Matheus Arcaro aponta que muitos jovens, ao serem questionados sobre suas aspirações profissionais, já não mencionam carreiras tradicionais. “Eles desejam ser influenciadores digitais ou youtubers, em busca de fama e sucesso”, afirma.
Os programas também servem como palco para debates sobre diversidade e inclusão, embora frequentemente reforcem estereótipos. Arcaro comenta que “ao mesmo tempo em que há uma ampliação da exposição de diversas etnias, orientações sexuais e escolhas religiosas, por exemplo, tende-se a fazer um recorte específico das pessoas que estão confinadas no reality show e, mais que isso, ressaltar aspectos estereotipados, mesmo que de modo inconsciente”, assegura.
Para quem não tem um olhar mais crítico, esses recortes acabam parecendo uma representação fiel da realidade, sem perceber que o objetivo principal dos programas é atrair audiência e gerar lucro. Por essa razão, Arcaro explica que os produtores de reality shows se aproveitam desse cenário para alavancar a audiência dos programas, mesmo que seja necessário apelar para estereótipos ou até situações de preconceito ou violência.
O mestre em filosofia explica que a busca por validação e felicidade, evidente nos reality shows, também está presente nas redes sociais. Essa necessidade leva as pessoas a abrir mão da privacidade, compartilhando desde o prato de comida do dia e os treinos na academia até momentos íntimos, como o anúncio ao vivo do fim de um relacionamento.
Impacto econômico dos reality shows
No âmbito econômico, os reality shows são uma fonte lucrativa para emissoras e patrocinadores. O mestre em economia Presley Vasconcellos explica que o formato oferece excelente custo-benefício. “Os reality shows são uma mina de ouro para emissoras e patrocinadores. Eles têm custos de produção relativamente baixos em comparação com novelas ou séries, e o retorno é altíssimo. Além da venda de publicidade durante os programas, há acordos de patrocínio que garantem uma exposição massiva para as marcas envolvidas”, afirma.
Um exemplo disso é o BBB 25, que estreou com um novo recorde comercial com 21 marcas participantes, sendo 14 patrocinadoras. Segundo uma pesquisa realizada pela emissora com quase 71 mil consumidores, 83% dos entrevistados disseram ter vontade de comprar produtos anunciados no programa.
Presley destaca como as marcas aproveitam a popularidade dos programas para criar estratégias de impacto direto. “No comércio, vemos produtos mencionados no programa sumirem das prateleiras. No Turismo, por exemplo, tivemos o aumento do número de visitantes em Campina Grande, na Paraíba, por causa da participante Juliette Freire em 2021”, destaca o economista.
Além disso, aplicativos de votação e conteúdos extras, conhecidos como second screen, geram receitas e fornecem dados valiosos para estratégias de marketing. Dessa forma, Presley destaca que a influência dos realities shows não se limita ao consumo imediato. Pois a popularidade de cada participante se torna um termômetro para tendências e oferece dados importantes sobre comportamento social e de consumo das pessoas.
Os realities shows ultrapassam a barreira do entretenimento. Eles moldam comportamentos, levantam debates sociais e impulsionam a economia. O fenômeno, que mobiliza milhões de brasileiros, é um reflexo do nosso tempo. Uma mistura de espetáculo, performance e mercado.