No dia seguinte às eleições (3), a SaferNet registrou cerca de 14 denúncias de xenofobia por hora.
Ana Júlia Alem
A SaferNet, uma associação civil de direito privado que tem como propósito promover e defender os Direitos Humanos na Internet no Brasil, publicou uma pesquisa mostrando que, no primeiro semestre de 2022, as denúncias de discursos de ódio cresceram 67,5% e contra xenofobia, cresceram em 520% desde a última pesquisa realizada, em 2021.
Esse cenário se agravou ainda mais após o primeiro turno das eleições de 2022, que foi marcado pela vitória do candidato Luís Inácio Lula da Silva no nordeste, com 12,9 milhões de votos a mais que Jair Bolsonaro. Quando os resultados das apurações começaram a aparecer, foi possível perceber pessoas atacando umas às outras nas redes sociais por suas opções de voto, principalmente no nordeste, onde os moradores sofreram xenofobia por votar em Lula no primeiro turno.
No Twitter, a #nordeste foi parar nos Trending Topics, totalizando mais de 5 milhões de tweets. As publicações variavam: algumas dizendo que o nordeste iria salvar o país, outras associavam a região à pobreza, seca, analfabetismo e ignorância.
Em suas redes sociais, muitos artistas brasileiros reprovaram os comentários xenofóbicos. Um deles foi o comediante Whindersson Nunes, que publicou em seu Twitter: “Vocês tentam esconder, mas você vê todo um povo gente boa demais, trabalhador demais, como “pessoas que querem dinheiro fácil” ou que “não produz nada”. O nordeste não é sua empresa, não preciso mais construir calçadas pra vc andar”. O Ex-BBB, Gil do Vigor, também fez uma publicação dizendo que o Nordeste e seu povo precisam ser respeitados.
“Durante e após as apurações, foi possível perceber que os nordestinos sofreram incontáveis ataques de ódio, realizados pessoalmente e na Internet, vindos de outras regiões do país. O principal motivo para isso é o cenário de divisão política em que o país se encontra, que serviu de estopim para o aumento de casos xenofóbicos após as eleições”, explica a socióloga Aracelli Alves.
Thiago Martins, de 19 anos, nascido na cidade de João Pessoa, na Paraíba, é nordestino com orgulho. Ele conta que após as eleições, se deparou com inúmeros posts xenofóbicos nas redes sociais e lendo cada um deles, sentiu um imenso desgosto e tristeza ao ver pessoas de diferentes lugares, mas de uma mesma nação, atacando nordestinos apenas por suas opções de voto, algo que é direito de cada um deles.
Por que isso acontece?
Aracelli conta que no período eleitoral, é comum notar um aumento ainda maior de casos de xenofobia por conta da grande divergência de opiniões causadas, principalmente, pelo cenário político de polarização no Brasil.
“As redes sociais só agravam ainda mais esse conflito. As pessoas acreditam que podem publicar o que querem e pensam, sem se preocupar com as pessoas ao redor. A ‘liberdade de expressão’ se tornou uma desculpa para dizer tudo que se tem vontade, mas não é assim que as coisas funcionam. Temos a liberdade de postar o que sentimos vontade, mas sempre pensando no bem-estar do outro e respeitando a diversidade. Precisamos agir com consciência e responsabilidade”, explica.
“Hoje em dia, é raro encontrar alguém que respeita, verdadeiramente, o direito à opinião de outra pessoa. Eles querem que você concorde com elas de um jeito ou de outro, só enxergam o seu lado da moeda. Mas, na verdade, o que elas precisam fazer é apenas respeitar o direito do outro”, comenta Thiago.
Políticas públicas para fugir desse cenário
Em janeiro de 1989, a Lei n° 7.716 foi sancionada. O artigo 1° garante que os crimes resultantes da discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional serão punidos. O crime pode resultar em reclusão de um a três anos e multa, se o crime for praticado na internet, a pena varia de 2 a 5 anos com multa.
“Porém, apesar da criação de leis que protegem os indivíduos contra esses ataques de ódio, é necessário que outros métodos sejam colocados em prática, como os Centros de Referência e Atendimentos para Imigrantes (CRAIs), que auxiliam pessoa que chegam no Brasil a se regularizar, conseguir emprego e atendimentos em hospitais e escolas. Essa iniciativa é muito importante e ajuda muitos imigrantes que vêm para o Brasil, porém, só existem duas unidades no país, em Florianópolis e em São Paulo, ou seja, mesmo sendo um projeto que auxilia muitas pessoas, é interessante que outras unidades sejam criadas”, comenta Aracelli.
A socióloga ainda diz que um passo importante para combater a xenofobia é denunciar. Elas podem ser feitas através de boletins de ocorrência, Disque 100 e na Central Nacional de Denúncias de Violações contra Direitos Humanos da Safernet, um serviço de recebimento de denúncias anônimas de ataques de ódio na Internet.
Thiago conclui dizendo que a solução para esses problemas é ter mais respeito e empatia. “Temos que deixar as pessoas livres para terem suas ideias e pensamentos a respeito de diferentes assuntos. É preciso ter maturidade para respeitar a opinião do outro, porque é só assim que há democracia. Todos temos a liberdade de expressão e quando alguém fere minha liberdade, é crime.”