Indústria de beleza para crianças gera polêmica nas redes sociais

In Cultura, Geral, Saúde

Vídeos na Internet apontam prejuízos físicos e emocionais em crianças que consomem produtos estéticos não fabricados para sua faixa etária.

Paula Orling

Do gloss com formato de morango para batom matte, de sombra com formato de borboleta para paletas Ulta Beauty Collection; essa é a inclinação das crianças em 2024. Com influência das redes sociais, especialmente do TikTok, meninas de menos de 12 anos passam a ter influenciadores da beleza como modelo a ser seguido. Tendências como “arrume-se comigo” e “daily skin care” ganham cada vez mais repercussão entre as novas gerações.

Esta propensão é um benefício para as empresas de cosméticos, que lucram cada vez mais com a venda de produtos para o nicho comercial infantil. Dados do portal Statista revelam que a indústria de produtos para a pele de crianças e bebês atingirá o volume de mercado de US$380 milhões. Este valor representa um crescimento anual de 7,71% até 2028.

O impacto da popularidade dos produtos de beleza também passou a ser muito discutido nos meios públicos. Neste sentido, familiares, especialistas da saúde e mesmo as crianças defendem seus pontos de vista sobre os prejuízos que os novos hábitos têm sobre a saúde infantil.

Geração Alfa e o skincare

Uma das práticas mais comuns na área da beleza para crianças é o skincare, ou o cuidado da pele. Meninas, mesmo antes da puberdade, consomem produtos faciais de alto custo, e mesmo perigosos por conter componentes químicos agressivos à pele infantil.

Muitos dos produtos populares nos vídeos postados pela geração Alfa (nascidos a partir de 2010) nas redes sociais contém retinol, tinturas, soros antienvelhecimento e potentes ácidos esfoliantes. Estes ingredientes estão presentes em produtos projetados para pessoas mais velhas.

A dermatologista infantil Cecília Martino explica que a obsessão com o cuidado da pele e o uso excessivo de produtos cosméticos já recebeu um nome na Língua Espanhola: “cosmeticorexia”. Ela defende a ideia de que esta obsessão não apenas está aumentando entre as crianças, como também é diretamente vinculada aos conteúdos da internet aos quais as crianças são expostas.

Ela reforça  que seguir esta tendência de beleza para crianças é bastante arriscado. “Muitos produtos cosméticos projetados para adultos contém parabenos entre seus ingredientes, que servem para preservar as fórmulas e evitar contaminação, mas podem atuar como disruptores endócrinos e ser perigosos para crianças em desenvolvimento”, esclarece.

Danos além da saúde

As grandes marcas de cosméticos são as mais procuradas pelas crianças por sua popularidade nas redes sociais. Sephora e Ulta Beauty, nos Estados Unidos, são exemplos das lojas que mais alcançam os pequenos.

As crianças ficam expostas aos efeitos negativos dos produtos populares ao reproduzir comportamentos vistos na internet, mesmo sem conhecê-los adequadamente. O risco, contudo, vai além dos possíveis resultados a longo prazo na saúde.

A atitude de algumas crianças insatisfeitas nas lojas causou espanto. Vídeos nas redes sociais em 2023 e 2024 as mostram sendo grosseiras com funcionários e bagunçando balcões ao não encontrarem os produtos desejados.

A problemática foi marcada por uma grande polêmica na internet, com maior presença no Instagram e no TikTok, expondo crianças ao criticismo desenfreado. Unidos a apoiadores da democratização do mercado de cosméticos infantil, os jovens consumidores criaram uma tendência conhecida como “sephora squad kids”, esquadrão de crianças da Sephora, em tradução livre.

O termo, que virou uma hashtag popular nas redes sociais, já tem milhares de adeptos em dezenas de países ocidentais, que usam o jargão tanto a favor do consumo infantil quanto contra o uso.

Consequências emocionais

A supervisão dos pais e responsáveis em relação ao consumo de conteúdo online por parte dos pequenos compradores é questionada. Afinal, quem é o grande exemplo para os jovens, os familiares ou influenciadores digitais pouco conhecidos pelas famílias?

Um levantamento do Comitê Gestor da Internet aponta que 475 dos pais não têm conhecimento das vivências dos filhos nas redes sociais. Em contrapartida, 86% dos brasileiros de 9 a 17 anos frequentam as plataformas digitais. 

Enquanto conectados, os mais jovens estão expostos às influências externas, com efeito psicológico direto nas mentes em formação. A cobrança em relação aos padrões de beleza para crianças é pauta frequente de preocupação dos pais atentos.

Ana Paula Cassiano Gomes é mãe da Júlia, de 9 anos. Desde que a filha é pequena, prefere ela mesma ser o exemplo que a filha tem de beleza e cuidado. Ana compartilha que deixou a filha usar alguns produtos de beleza desde pequena, desde que selecionados pela mãe e com moderação, para que não tenham resultados negativos a longo prazo.

Para ela, a saúde emocional da Júlia sempre foi prioridade. “Realçar a beleza, tudo bem, mas tentar modificar a aparência, não considero correto. Também acho prejudicial quando se torna um hábito em que a pessoa não consegue sair de casa sem estar utilizando”, ela comenta.

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