Agustina Lía Redondo Buri: uma história de força, fé e música

In Geral, Saúde
Música salvou a vida de Agustina.

A história sobre como uma jovem garota imergiu em uma sucessão de experiências traumáticas, mas se encontrou na música.

Melissa Maciel

Ela era apenas uma jovenzinha, 12 anos, mas já sabia o que queria… ela queria ir para a igreja. Às escondidas, a menina Agustina colocava sua roupa de igreja embaixo do sofá para acordar antes de todos, abrir a porta e sair correndo para a igreja, que ficava a 8 km de sua casa. Depois de uma grande frustração com falsos membros da congregação, seus pais deixaram de simpatizar com a instituição religiosa. Nesse tempo, ainda havia vestígios do serviço de inteligência da terminada ditadura argentina, e um infiltrado no grupo de estudos bíblicos de que participavam provocou conflitos entre os membros.

A mãe, no entanto, ainda queria que as filhas estudassem em uma instituição com princípios cristãos e foi à procura de alguma que sustentasse crenças pelo menos parecidas com as que ela mantinha. A educação da denominação Adventista do Sétimo Dia foi escolhida devido à fé na segunda vinda de Jesus e no estado inconsciente dos mortos. Os ensinos de Jesus nunca deixaram o coração de sua mãe. No cuidado diário com as filhas, ela falava de Jesus, cantava e orava habitualmente. 

Apesar de resistir ao batismo da filha, ela passou a ir às programações para acompanhar o que a garota aprendia. Astuta, Agustina sentava nos primeiros bancos do templo, porque sabia que se sua mãe chegasse para tirá-la do culto, teria que atravessar toda a igreja. Como era tímida para fazer algo assim, a mãe sentava no fundo e esperava enquanto ouvia a mensagem do pregador. A partir disso, e de seu posterior envolvimento com o departamento musical da igreja juntamente com a filha, optou por fazer um estudo bíblico e enfim foi batizada na Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Nessa época, com uma nova perspectiva de vida depois do batismo e em meio a brigas constantes com o marido, além de um segredo que até aquele momento ela escondia de Agustina, a mãe tomou uma decisão. Para privá-la daquele ambiente de tensão, ela comunicou a mais nova de suas três filhas, e a única que ainda morava com os pais, de que estava com câncer, e a partir daquele momento Agustina estudaria em um internato adventista. 

Descoberta de uma paixão

Neste lugar “eu vivi uma das melhores experiências da minha vida”, segundo a própria jovem. Lá, ela desenvolveu seus dons musicais, praticamente intrínsecos à sua pessoa: “eu canto desde que me entendo por gente.” Sua mãe incentivou um aprendizado que seria parte essencial da pessoa em quem Agustina se tornaria. Aos 9 anos da menina, a mãe insistiu com o professor para que ela pudesse fazer aulas de canto e foi assim que tudo começou. Na escola, posteriormente, ela se deparou com um dos professores de música que marcaria sua história. Ao identificar seu dom, ele passou a ensiná-la, voluntariamente, a arte de cantar.

Foi com essa bagagem que ela chegou no internato diretamente como primeiro soprano no coral da instituição. Destaque, ela própria começou a dar aulas de música aos seus colegas. “Eu me encontrei muito nisso”, declara. 

Sua mãe, nessa época, nutria um desejo muito forte por trabalhar com voluntariado, mas a luta contra o câncer a desgastava. Agustina voltou pra casa em determinado momento e encontrou sua mãe muito doente, já na cadeira de rodas. “Eu não queria aceitar, eu não pensava que ela iria morrer”, essa era a sua reação diante do cenário. Enquanto tudo isso acontecia, se acumulava uma dívida com as mensalidades do internato. As despesas com a família e com os medicamentos para a doença eram pesadas demais e a matriarca não tinha condições de quitar as pendências com a escola, mas mandou sua filha de volta mesmo assim. 

Em uma conversa com Agustina, o diretor a comunicou de uma dívida acumulada em 50 mil pesos, muito dinheiro para a época. “Ela tinha me colocado lá na fé de que Deus iria pagar.” Surgiu uma viagem do coral e o pouco dinheiro que a mãe tinha, ela usou para pagar a viagem. Ela sabia que a música fazia parte essencial da pessoa que sua filha era… e viria a ser. No próximo ano, outra viagem do coral. De joelhos no chão, ela orou e momentos depois, o diretor, que era músico, chamou-a na sua sala:

– E aí, como você está, como está sua mãe?

Ele sabia de tudo o que estava acontecendo – comenta Agustina. 

– Você sabe que sua mãe não pagou a viagem do coral né?

– Eu sei, sei que ela não pagou.

– Mas eu paguei para você. Vai fazer sua mala.

Foi sensacional, disse ela. 

O início dos traumas

Chegou o momento da formatura de Agustina no Ensino Médio. Mesmo fraca, devido a doença, sua mãe viajou e compareceu a esse momento especial. Na volta para casa, a doença atingiu um estado que já não permitia à mãe levantar-se da cama. Dessa época, a jovem diz lembrar de cenas que jamais deixaram sua memória. Um dos homens que tempos antes participou do grupo de estudo bíblico com sua mãe foi visitar a enferma e enquanto ambos conversavam, Agustina escutava atrás da porta:

– Eu estou morrendo. – disse a mãe

Ele sorriu.

– Mas você está se preocupando com o que? A primeira coisa que você vai ver quando acordar vai ser Jesus voltando.

“Eu fiquei com muita raiva, porque na minha cabeça eu dizia: ‘você está falando que minha mãe vai morrer?’ Na minha cabeça não entrava que ela iria morrer, eu ignorava completamente a possibilidade.”

A segunda memória marcante que ela relata com relação a esse período é a de uma vez que sua mãe a chamou para conversar. Sentada na beirada da cama ela escutava:

– Eu pedi para Deus cuidar de você porque eu já não posso. Mas fica tranquila que Ele vai dar tudo o que você precisa.

Ela ainda não tinha quitado a dívida com o colégio… um mês depois da formatura, sua mãe faleceu. A igreja juntou dinheiro e pagou toda a dívida pendente. “Minha mãe não soube disso”, comenta. 

Na noite do falecimento, Agustina teve um sonho. “Sonhei que ela estava correndo. Fazia quase um ano que ela não caminhava direito e eu sonhei que ela estava correndo em um campo verde cheio de flores. Ela estava sorrindo com um sorriso que eu nunca tinha visto no rosto dela, estava feliz como eu nunca tinha visto. E ela falou assim: ‘Você sabe o que vai ser a próxima coisa que eu vou ver quando acordar? Vai ser Jesus vindo.’ E então eu acordei.”

Negação e depressão

Devido ao cenário conturbado, Agustina acabou por deixar passar a inscrição para a faculdade. Decidiu, então, cumprir o desejo de sua mãe e viajar para fazer voluntariado, decisão esta que, segundo ela, foi boa e ruim ao mesmo tempo, “porque eu não terminei de processar o que estava acontecendo, eu estava, em certo sentido, ainda negando tudo.” 

Na cidade de Lujan, na Argentina, ela colocou em prática e desenvolveu suas habilidades musicais enquanto dava aulas, voluntariamente, aos interessados no centro de influência que a equipe de voluntários foi organizar. No entanto, sua negação com relação ao luto, a resistência em se deixar sofrer a estavam deixando doente. Foram duas semanas na cama e os olhares e comentários de seus colegas de trabalho começaram a pesar sobre ela. Falavam contra sua capacidade mental e espiritual para participar da missão. Seu início de depressão era incompreendido principalmente por sua líder, que já não demonstrava compaixão ou se permitia tentar entender a dor com a qual a jovem estava lutando. 

Foi nessa época que ela recebeu uma ligação do presidente da unidade administrativa da Igreja Adventista do Sétimo Dia para a região onde residia. Ele propôs a ela a oportunidade de estudar Comunicação Social no Brasil e a ofereceu uma bolsa de estudos. Em uma reunião da comissão administrativa, em que todos os pastores deveriam levar nomes para serem votados de maneira a escolher a quem seria oferecida a bolsa, o nome de Agustina foi decidido por unanimidade. 

Mediante essa perspectiva de sonho, o que a garota mais escutava de seus colegas de voluntariado era que ela não merecia, não era digna dessa oportunidade. Ela fez as malas e voltou para casa. A culpa, no entanto, a sobrecarregou. “Foi nesse momento que eu desabei”, relata.

Ao chegar em casa, seu pai lhe apresentou uma namorada. Ela sentiu como se estivesse vivendo um choque atrás do outro, negou ao pastor a proposta de ir ao Brasil e mergulhou em um período de intensa depressão. Uma semana sem levantar da cama. Ao presenciar essa situação, seu pai, que não fazia parte da denominação religiosa pela qual sua filha optou, em um ato de carinho, a levantou da cama, colocou no carro e a levou para a casa do pastor. E então ele falou o seguinte:

– O que você estava fazendo em Lujan, vai terminar com ou sem você, você não é indispensável lá. Mas o que você pode fazer no Brasil vai ser a missão da sua vida. 

Esse turbilhão de emoções, desde que ela tinha voltado para casa e mergulhado em depressão, até o ato carinhoso de seu pai em favor de seu reerguimento e a impactante conversa com o pastor, aconteceram em um período de duas semanas. Como em um piscar de olhos, a próxima coisa que Agustina viu foi a passagem comprada e o avião no qual embarcaria rumo ao Brasil. E então ela apareceu aqui.

Uma nova etapa

A partir deste momento, uma nova etapa de sua história teve início. O período de adaptação à nova língua e cultura na faculdade e internato em que morava (e mora até hoje) foi tenso. No início a culpa ainda assolava sua consciência. Entretanto, como uma calorosa e consoladora surpresa, cerca de um mês depois de ter chegado ao Brasil, a jovem recebeu uma ligação da esposa de seu pastor na Argentina. Ela estava empolgada por contar para Agustina uma feliz novidade e compartilhou com ela um vídeo…

No vídeo, um de seus alunos de canto da missão estava sendo batizado e então perguntaram para o jovem como ele havia conhecido a Jesus e chegado à decisão do batismo. Ao que ele respondeu: “Eu conheci Jesus porque a Agustina estava na praça em um dia que eu estava triste, ela me entregou um folheto, ela foi amável comigo e eu fui ter aula de música com ela. Ela me mostrou Jesus.”

Este e outro garoto que foi batizado no mesmo dia, declararam a influência essencial de Agustina em suas caminhadas cristãs. Estes foram os primeiros batizados da cidade de Lujan, na Argentina. No pior momento de sua vida, Agustina fez o bem e foi essencial na vida de pessoas sem mesmo perceber.

“Não me deixavam dar estudo bíblico, eu estava me sentindo um lixo, sentia que eu não devia estar ali e os primeiros dois batizados da cidade foram meus alunos e disseram que eu mostrei Jesus para eles”, desabafa.

Com esse testemunho, ela se sentiu motivada para dar continuidade à missão da sua vida. Procurou ajuda psicológica e iniciou a jornada de processar a sequência de choques que a acometeram e aprender a lidar com suas confusas emoções. Foram tempos conturbados. 

Enquanto isso, envolvida na faculdade de Comunicação Social, ela olhava os alunos de Música e se sentia angustiada. Será que era realmente essa a carreira profissional que ela desejaria seguir? Mediante questionamentos como este e após dois anos no curso de Rádio e Televisão, ela concluiu que não poderia negligenciar sua vocação para a música por mais tempo. Foi assim que ela ligou para o pastor, organizou a mudança de curso e mergulhou mais fundo no mundo musical, cursando, até os dias atuais, aquilo que ela ama verdadeiramente.

Nessa nova fase de sua vida, ela ainda lembra com carinho de sua mãe, de sua esperança de ver Jesus ao acordar e de suas orações a Deus em favor do futuro de sua filha. “Mesmo morrendo, ela teve a fé de ver quem eu poderia ser e Deus respondeu a oração dela, Ele nunca deixou nada me faltar, nem emocionalmente, nem financeiramente. A menina que estava devendo 50 mil, hoje tem uma bolsa integral na melhor faculdade que tinha, fazendo o curso que ela ama, rodeada de gente boa… efetivamente nada me faltou, nada me falta ainda e nada vai me faltar porque Deus ouviu a oração dela.”

Agustina Redondo Buri é a protagonista deste relato sobre como o amor, a perseverança e a fé de uma mãe dedicada ao incentivo de um sonho compartilhado, nortearam uma vida de difíceis decisões. Uma mãe que incentivou e sustentou, até o fim de seus dias, o sonho de que sua filha se tornasse uma grande musicista. Essa é uma história sobre força, esperança e superação. Hoje, Agustina está no terceiro ano do curso de Música no Centro Universitário Adventista de São Paulo, dá aulas e continua a sustentar o sonho e a fé. 

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