Antes vista como algo infantil, dormir com ursos ganha espaço entre jovens e adultos em busca de conforto.
Vefiola Shaka
Os ursos de pelúcia tem marcado a infância de muitas crianças não apenas em momentos de entretenimento mas também em tempos de conforto e paz antes de dormir. Este fenômeno vai longe e surpreendentemente conseguiu influenciar os adultos de forma positiva. Muitos adultos têm como parte de sua rotina dormir com ursinhos de pelúcia ao lado ou abraçá-los.
Desde o período da pandemia de Covid-19, as vendas de pelúcias aumentaram entre os adultos e especialistas garantem que ter um pelúcia não é algo errado. Em 2024, 21% dos brinquedos de pelúcia foram vendidos para adultos acima de 18 anos, segundo a Cercana, uma empresa estadunidense de pesquisa de mercado e tecnologia em Chicago.
Mais comum do que parece
Build-A-Bear Workshop é um varejista americano que vende ursos de pelúcia, bichos de pelúcia e personagens. Os clientes da loja passam pelo processo em que o bicho de pelúcia de sua escolha é montado e adaptado às suas próprias preferências, incluindo aromas, sons, visuais e roupas variadas.
A Build-A-Bear tem uma seção inteira de seu site dedicada para adultos. Uma pesquisa feita pela empresa mostrou que mais da metade das pessoas guardou um bicho de pelúcia da infância, e cerca de 40% disseram que dormem com um brinquedo de pelúcia.
Companhia para dormir
Mayra Guimarães tem 20 anos, estuda Publicidade e Propaganda, e viaja com frequência. Mas em cada destino, tem uma certeza: ela nunca está sozinha. A companhia vem em forma de quatro ursos de pelúcia macios, engraçados e cheios de nomes inusitados: Lerry, Fenckles, Serginho e Naru.
A história com os ursos não começou na infância, como muitos poderiam imaginar. Eles foram comprados há cerca de três anos, já na vida adulta. Tudo começou quando Mayra viu um dos bichinhos, uma espécie de urso lagosta, e se encantou pela aparência confortável. Viajando tanto quanto viaja, ela decidiu que aquele seria seu novo travesseiro de viagem e, mais do que isso, uma fonte de aconchego. “Eu durmo melhor abraçada a eles. Eles são muito práticos e me trazem conforto”, conta.
Para Mayra, o apego aos ursos vai além da hora de dormir. Quando se sente mal ou está triste, é comum buscar um abraço. “Eles sempre estão comigo”, conta. Entre os quatro, há até uma hierarquia sentimental. “Eu escolho com qual vou dormir e costumo levá-los em viagens. Eles não são só enfeites, fazem parte da minha rotina. Me ajudam a descansar de verdade”, comenta.
Para Mayra, os ursos de pelúcia não representam uma infantilização, mas uma escolha consciente por conforto e bem-estar.
A questão psicológica dos ursos
A psicóloga clínica Gabriella Macario explica que um dos principais motivos pelos quais muitas pessoas dormem com ursinhos de pelúcia é o afeto projetado no objeto. “É como se o ursinho representasse alguém querido que está longe ou até mesmo simboliza a sensação de aconchego que a pessoa sentia ao dormir com os pais, o que com o tempo deixa de ser recomendado”, afirma.
Segundo ela, esse tipo de transição costuma acontecer naturalmente na infância: a criança começa a dormir sozinha, mas encontra no bichinho uma forma de acolhimento. “Em vez de se sentir só, transfere esse carinho e necessidade de acolhimento para o bichinho”, completa.
A psicóloga também destaca que, em alguns casos, o ursinho pode ter vindo como um presente significativo de um namorado, de uma amiga ou de alguém da família.
Nesses casos, o objeto assume um valor simbólico. “Dormir com ele traz à tona essa lembrança afetiva. Isso proporciona conforto, a sensação de companhia, de que não se está sozinho”, explica. “O simples ato de abraçar o bichinho, por ser fofinho e aquecer o corpo, remete ao carinho e à sensação de pertencimento. Tudo isso pode, sim, ajudar a pessoa a se acalmar e dormir melhor”, acrescenta.
Quando o hábito é preocupante?
Quando questionada se esse hábito pode fazer mal à saúde mental, Gabriella é direta: “Desconheço pesquisas que digam que isso seja prejudicial. Acredito que, na maioria dos casos, não faz mal nenhum. Pelo contrário, pode até ser benéfico, desde que não exista uma dependência extrema”.
Ela pondera que o problema estaria em a pessoa só conseguir dormir ou se sentir bem na presença do ursinho. “Aí sim, isso poderia indicar uma relação de dependência emocional que merece atenção”, ressalta. Outro ponto de alerta seria se o apego ao objeto substituísse relações humanas. “Por exemplo, a pessoa prefere abraçar o bichinho do que estar com o parceiro. Isso não seria saudável”, conta.
Vergonha ou costume cultural?
Gabriella também comenta sobre o fator cultural envolvido na relação com os ursos de pelúcia na vida adulta. “Muita gente sente vergonha de contar que ainda dorme com pelúcia por achar que é algo infantil”, aponta. Mayra Guimarães comenta que, felizmente, nunca enfrentou preconceito por isso. Seus amigos e colegas compreendem que os ursos são parte da vida dela, seja no estresse das viagens, nas noites difíceis, ou no dia a dia.
A psicóloga explica que esse hábito costuma ser aceito socialmente na infância, adolescência e até no início da vida adulta, especialmente quando o bichinho é um presente romântico. “Ganhar um ursinho do namorado, por exemplo, ainda é visto como algo ‘fofo’”, ressalta.
Entre os 30 e os 60 anos, isso pode causar mais resistência social. “Curiosamente, se a gente vê uma senhora idosa com um ursinho, isso não causa tanto estranhamento. Muitas vezes, elas guardam bichinhos de netos ou de outras memórias afetivas. Então é uma questão cultural mesmo, de como enxergamos certos comportamentos ao longo da vida”, conclui.