Jornalismo das periferias: ações buscam ampliar narrativas que a grande mídia não retrata

In Geral
Jornalismo das Periferias

De Paraisópolis na grande São Paulo a Rocinha no Rio de Janeiro, lacunas são reforçadas quando estereótipos ganham espaço no fazer jornalístico de grandes mídias.

Rayne Sá

Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Projor (Instituto de Desenvolvimento do Jornalismo), mostrou que 62% das comunidades não possuem cobertura jornalística, e, onde as informações não chegam, abre-se espaço para desigualdade, já que a desinformação é um dos entraves para questionamentos e reivindicação de direitos. Desta forma, lacunas de informações são reforçadas ao retratar a violência, a miséria e o tráfico nas periferias do país.    

É por isso que iniciativas de coberturas feitas sobre, para e a partir do olhar de quem vive nas favelas brasileiras têm surgido. Os coletivos independentes mostram as histórias cotidianamente daqueles que vivem nas comunidades. 

Narrativas (in)visíveis 

A Agência Mural, por exemplo, surgiu de uma formação de Jornalismo Cidadão em 2010, para estudantes de jornalismo oriundos de políticas públicas em Paraisópolis e,  há 11 anos é a primeira agência de notícias sobre e feita pelas periferias de São Paulo. 

Criado na Zona Rural de SP, o jornalista e co-fundador da Mural, Vagner de Alencar, desde pequeno já entendia o que era desigualdade, como era morar em uma favela e como a representatividade na televisão era inexistente. “Eu cresci em Paraisópolis, então era muito complicado assistir o jornal e só ver coisa ruim, porque de certo modo você até incute um pouco da ideia de que você é essa pessoa ruim que estão dizendo”, desabafa. 

O incômodo causado o fez perceber que o jornalismo podia ser “um lugar onde eu pudesse dar vazão a essas histórias. As histórias que eu vivia e que eu não via nos meios de comunicação”, para ele, o jornalismo por parte das favelas tem o poder de mostrar as mazelas e as potências que existem nesses territórios. “Se eu escrevo constantemente falando que as favelas são perigosas, eu tô dizendo que todas as pessoas que moram lá são perigosas, são bandidos, são traficantes ou são pessoas que vivem em extrema pobreza”, afirma. 

Atualmente, a Agência Mural conta com cerca de 90 correspondentes na grande São Paulo,  uma equipe fixa de 17 pessoas, e outros produtos distribuídos pela internet, como o podcast “Próxima Parada”, e um blog hospedado na Folha de São Paulo. “Para nós é muito importante o resultado da nossa missão de ver que a população se sente representada, se sente representada na história que é contada, na foto que a gente ilustra a reportagem. Essa é nossa missão: visibilizar essas histórias para que as pessoas se sintam parte da sociedade”, finaliza. 

O poder do jornalismo local

Em 2021, o censo do Atlas da Notícia — uma iniciativa que mapeia o jornalismo em território brasileiro , revelou uma queda de 9,5% no “deserto noticioso” de algumas regiões do Brasil. A pesquisa mostra que o jornalismo local tem se tornado uma alternativa para aqueles que necessitam ter suas vozes amplificadas. 

Esse é o caso da Agência de Notícias das Favelas (ANF), fundada pelo jornalista André Fernandes em 2001, e reconhecida pela Reuters como a primeira agência de notícias de favelas do mundo. A ANF atua na luta pela democratização da informação nas periferias do Rio de Janeiro, mas também está presente em centenas de outras comunidades do país, através de seus colaboradores e projetos. 

Além das mídias sociais, a agência possui o jornal “A Voz da Favela”, com uma tiragem de 100 mil exemplares circulando no estado. “Pelo fato da grande mídia estar do lado de fora, é que nós resolvemos criar uma mídia de dentro. A ANF, por exemplo, tem a prioridade de ouvir o morador, a grande mídia a prioridade não é ouvir o morador, ouve a polícia, mas não ouve o morador”, afirma. 

A pluralidade de vozes na comunicação comunitária 

De acordo com Mara Rovida, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e autora do livro “Jornalismo das periferias: o diálogo social solidário nas bordas urbanas”, a ausência das vozes das periferias na cobertura da imprensa convencional contribui para uma visão estereotipada sobre quem vive nas periferias e favelas. “Uma fonte das periferias pode falar sobre qualquer coisa como uma fonte ligada a territórios centrais, então incluir as vozes das periferias só quando a pauta é violência e mesmo assim incluí-las de uma maneira enviesada resulta no reforço do estereótipo”, afirma. 

Para jornalistas periféricos, a comunicação comunitária tem o poder de tecer novas realidades e possibilidades dentro da profissão, mas ainda há lacunas existentes na imprensa mainstream. “A gente precisa olhar primeiro para a imprensa de modo geral, para os veículos de comunicação, porque eles, de certo modo, não retratavam as periferias porque eles não tinham diversidade na equipe”, acrescenta Vagner. 

Diante disso, Mara enfatiza para a necessidade de contemplar a  diversidade nas redações tradicionais, começando pelo próprio quadro de funcionários. “Além disso, o diálogo com iniciativas de jornalismo das periferias pode oxigenar os processos produtivos.” Para ela, essas iniciativas são importantes para contribuir com perspectivas múltiplas sobre os temas em pauta.

Foto Tamiris Gomes/ Agência Mural

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