Leitura de livros pode reduzir penas no Brasil

In Geral, Política

A atividade que parece simples é um desafio para o sistema penal brasileiro.

Gabrielle Ramos

A ex-deputada federal Flordelis, condenada a 50 anos e 28 dias de prisão em regime fechado pela participação no homicídio do marido, teve pena reduzida. A diminuição de 177 dias foi concedida devido à sua participação em cursos e pela leitura de livros.

No último mês, essa decisão repercutiu nas mídias brasileiras, pois a Lei de Execução Penal (LEP) não prevê explicitamente a remição de pena por leitura. Embora ela contemple mecanismos de ressocialização, que incluem o trabalho e o estudo.

Falha na execução da Lei da Execução Penal

A Lei de Execução Penal (LEP) foi instituída pela Lei nº 7.210 em 11 de julho de 1984. “Em teoria, a LEP deveria assegurar que o cumprimento das penas não fosse apenas uma forma de punição, mas um processo que respeita a dignidade humana e prepara o indivíduo para seu retorno à sociedade”, explica Sérgio Augusto de Souza, advogado criminalista com atuação na execução penal.

Apesar disso, a realidade do sistema carcerário brasileiro está longe desse ideal. O advogado criminalista destaca que os presídios enfrentam superlotação, condições precárias de higiene e uma violência endêmica. Como resultado, muitas dessas unidades são controladas por grupos e facções, transformando-se em ‘escolas do crime’, onde o ciclo de violência e criminalidade é continuamente perpetuado.

Sérgio ressalta que, ao analisar a aplicação prática dessa lei, fica evidente a existência de uma realidade marcada pela injustiça. “Enquanto alguns detentos, geralmente aqueles com maior poder aquisitivo, conseguem condições menos degradantes e até privilégios no cumprimento de suas penas, a grande maioria sofre com as piores condições possíveis”, explica.

Karina Vieira, professora da Educação Básica e mestre em Educação que já lecionou em CRs, penitenciárias de sistema fechado e de segurança máxima, explica que a falha no cumprimento da LEP se deve a diversos fatores. Entre eles, a insuficiência de recursos financeiros e a gestão inadequada.

Para garantir a reinserção dos presos na sociedade e o cumprimento efetivo da LEP, o sistema carcerário precisa mudar. “Não há mais espaço para apenas vigiar e punir; é preciso empatia, respeito e sensibilidade para ressocializar e reintegrar, na sociedade, a pessoa privada de liberdade”, garante a professora.

Prós e contras da remição de pena pela leitura

Embora a remição de pena pela leitura não esteja expressamente prevista na LEP, ela é considerada uma forma de estudo. “Isso foi reforçado pela Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta a adoção de projetos de remição de pena por meio da leitura nos estabelecimentos penais”, explica Ivando Braga, advogado e consultor jurídico.

Braga explica que a leitura de livros pode resultar na redução de quatro dias de pena por obra lida. Em geral, é estipulado um prazo de 30 dias para a leitura de cada obra. Após isso, o apenado deve apresentar um relatório ou resenha para avaliação pela administração penitenciária com critérios estabelecidos pelo MEC.

De acordo com uma pesquisa do CNJ , apenas 11 dos 27 estados brasileiros têm estrutura adequada para implantação de bibliotecas. Como resultado, apenas 31,5% dos presos têm a oportunidade de reduzir a pena por meio da leitura.

Douglas Moura, professor de geografia com experiência em penitenciárias, explica que os trâmites nos presídios costumam ser mais lentos em comparação com os centros de ressocialização (CR). “Os internos dos CRs têm mais facilidade para obter a redução de pena, pois essas unidades possuem uma estrutura adequada, com melhores opções de estudo e trabalho”, afirma.

A falta de pareceristas para avaliar as resenhas também contribui para esse atraso. Segundo o advogado criminalista, muitas vezes, avaliadores voluntários fazem o trabalho para acelerar o processo.

O professor relata que, nos locais onde trabalhou, as turmas eram organizadas conforme o nível de conhecimento dos alunos, abrangendo desde a alfabetização até o ensino médio. Para aqueles que já haviam concluído o ensino médio, eram oferecidos cursos técnicos. No entanto, muitos se matriculavam apenas para obter o benefício da redução de pena e não compareciam às aulas.

Importância da remição por leitura

Os professores afirmam que a leitura desempenha um papel crucial na reeducação dos presos, pois permite que eles adquiram conhecimentos que podem mudar as suas visões de mundo. Além disso, essas habilidades são essenciais para facilitar a reinserção deles na sociedade após o cumprimento da pena.

O mesmo pensamento é compartilhado por Hulyana Martimiano, que organizou um projeto integrador em sua faculdade para democratizar a leitura e valorizar a educação. “Conseguimos doação de livros e levamos esses livros para uma biblioteca de uma penitenciária”, explica a estudante de direito.

No entanto, quando projetos como esses são implementados, enfrentam resistência dentro do sistema judicial. “Promotores e juízes alegam que a remissão da pena por esse meio não está expressamente prevista na lei, mas apenas em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, afirma o advogado criminalista.

Para a estudante, isso acontece porque os presos são vítimas de muitos preconceitos sociais. “Há uma dificuldade, em colocar o indivíduo como o centro do processo, não o crime, para que assim ele possa retomar sua condição de cidadão e gerir sua própria vida”, ressalta.

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