Cerca de 2.7 milhões de brasileiros não possuem certidão de nascimento.
Gabrielle Ramos
O registro de nascimento é um procedimento obrigatório para todos os cidadãos brasileiros. Realizado pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de forma gratuita, é através dele que são emitidos documentos como RG e CPF. Apesar de ser considerado um documento básico, cerca de 2,7 milhões de brasileiros não possuem certidão de nascimento, de acordo com estatísticas do Registro Civil do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É por meio do RCN que a pessoa é reconhecida pelo nome, sobrenome, filiação e naturalidade, além da própria data de nascimento. “Sem esse documento tornam-se “cidadãos/ãs invisíveis” aos olhos do Estado”, explica Sandro Meira, mestre em Geografia e membro do Instituto Nacional de Pesquisa e Promoção de Direitos Humanos (INPPDH).
Com o objetivo de combater essa invisibilidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai promover a “2ª Semana Nacional do Registro Civil – Registre-se!”. Este evento mobiliza as esferas judiciais estadual e federal em esforços para eliminar o sub-registro civil de nascimento no país e garantir o acesso expandido à documentação civil básica para todos os brasileiros, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade. A iniciativa está agendada para ocorrer entre os dias 13 e 17 de maio.
Como funciona o registro
Antes de tudo, é importante não confundir o registro com a certidão de nascimento, pois são documentos diferentes. “O registro fica no cartório e a certidão com o responsável. Porém, o objetivo dos dois documentos é apenas um: comprovar o nascimento”, ressalta a advogada, Valéria Lopes, especialista em Direito Civil e Direito de Família.
O Registro Civil de Nascimento (RCN) é um processo gratuito, requer apenas alguns documentos para sua realização. Estes incluem a Declaração de Nascido Vivo (DNV), emitida pela unidade hospitalar ou maternidade, e a cédula de identidade da pessoa responsável que comparecer ao cartório, informa o Cartório 9º Ofício.
No entanto, quando apenas um dos cônjuges comparecer, a apresentação da Certidão de Casamento também é necessária. “Caso o nascimento tenha ocorrido em domicílio, além dos documentos pessoais, deverão comparecer ao ato do registro duas testemunhas maiores e que tenham conhecimento do parto”, complementa o advogado e mestre em Direito Civil, Clóvis Lima.
O prazo para a realização do RCN é de quinze dias após o nascimento, sendo estendido para três meses para lugares distantes em mais de 30 Km da sede do cartório. Não há multa caso o registro não seja feito dentro desse período. Entretanto, para pessoas com mais de doze anos emitirem o documento pela primeira vez, é preciso da assinatura de duas testemunhas. Já acima de 18 anos, a presença não é obrigatória, afirma Me. Sandro Meira.
Impactos sociais
A falta desse registro cria uma vulnerabilidade social significativa, pois impede a obtenção de outros documentos essenciais que garantem acesso a direitos básicos. Estes incluem educação, acesso ao Sistema Único de Saúde, exercício do direito de voto por meio do Título de Eleitor, além de outros serviços sociais e políticas públicas oferecidos pelo governo. Portanto, “sem o Registro Civil de Nascimento, não há cidadania”, explica o mestre em Direito Civil.
Além disso, a falta do registro de nascimento impede que o cidadão obtenha a Carteira de Trabalho. “Ele (o cidadão) não poderá ter emprego com carteira assinada e estará exposto a abusos pelos patrões, ficando até propício ao trabalho escravo. Inclusive, pode expor crianças em situação de vulnerabilidade ao trabalho infantil, exploração sexual, ao aliciamento para o crime e ao tráfico de drogas”, complementa.
Já para o Estado, essa ausência impacta nos dados demográficos, afetando diretamente a garantia de direitos e justiça. Isso também acarreta em uma falha na contribuição tributária por parte desses indivíduos, destaca o Cartório 9º Ofício.
Outro ponto, é o combate às desigualdades sociais e a erradicação da pobreza que fica comprometido quando há um grande número de pessoas sem sua documentação civil em ordem, afirma o membro do INPPDH.
Por que isso acontece?
De acordo com uma pesquisa coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os principais motivos para a ausência do Registro Civil são a desinformação, o alto índice de analfabetismo e o isolamento de comunidades afastadas. “Na maioria das situações são pessoas que vivem no interior em zona rural, em extrema pobreza ou não têm condições de se deslocarem até um cartório”, explica o Cartório 9º Ofício.
Nesse sentido, as regiões mais afetadas pela falta de registro de nascimento são a Norte (5,11%) e Nordeste (1,66%), segundo o IBGE. Para o advogado, o desconhecimento dos pais sobre a importância do registro civil para o pleno exercício da cidadania, aliado à falta de implementação de políticas públicas adequadas, contribuem significativamente para a falta de registro nessas regiões.
Expectativa futura
Segundo o Censo do IBGE, em 2022, o Brasil registrou 2.574.556 nascidos vivos e o percentual de sub-registro foi de 1,31% (33.726 nascimentos), o menor da série histórica iniciada em 2015. “Embora decrescente, o número de pessoas não registradas ainda é grande no Brasil”, ressalta o geógrafo.
É por isso que o Governo deve investir na informação através de veículos de comunicação, fazer campanhas e orientar a população em relação à importância do RCN. Além de aplicar as legislações existentes e promover a continuidade e o avanço das políticas públicas, como o Sistema Interligado e a Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais, destacam a advogada e o geógrafo.
Outro ponto, é a ampliação nas formas de obtenção da certidão de nascimento, por meio da instalação de pontos de registro civil, especialmente nas regiões com os maiores índices de falta de registro. Isso inclui a capacitação de mais profissionais para realizar essa atividade. Tais iniciativas são enfatizadas tanto pelo advogado quanto pelo Cartório 9º Ofício.
Com o avanço da informatização e do Sistema Interligado, que possibilitam a emissão do RCN na maternidade, o número de nascidos vivos sem o registro tem se mantido abaixo dos 2% desde 2022, aponta o IBGE. Nesse contexto, “a expectativa da Corregedoria Nacional e do Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais é que o sub-registro e o não registro estejam erradicados até 2030, que também aparece como objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU.”