Para tirar proveito da situação, o Brasil deve conduzir as negociações com ambos os países com cautela, afirma especialista.
Gabrielle Ramos
Desde o chamado “Dia da Libertação” americana, declarado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o comércio global tem enfrentado semanas turbulentas. A data, 2 de abril, marcou o início da imposição de novas tarifas de importação sobre produtos de mais de 180 países. Essa medida, segundo Trump, “libertaria” os EUA da dependência de produtos estrangeiros.
Entretanto, a decisão provocou quedas nas bolsas de valores ao redor do mundo e levou diversos países a reagirem. Agora, o cenário está turbulento, com retaliações e negociações redesenhando os rumos do comércio internacional.
Reação internacional
A especialista em comércio exterior, Nathalia Amorim, destaca que um dos principais impactos imediatos dessas tarifas são as ações de retaliação. Países afetados, como a China, ao responderem com tarifas próprias sobre produtos norte-americanos criaram barreiras adicionais ao comércio global.
Além disso, a especialista explica que as incertezas geradas pelas tarifas causaram fortes oscilações nas bolsas de valores. Mas, após o presidente dos Estados Unidos anunciar uma “pausa” de 90 dias na cobrança de algumas tarifas, os principais índices da bolsa americana foram impulsionados.
Já as moedas de países em desenvolvimento perderam valor, em parte porque esses países tiveram que lidar com taxas extras que dificultaram suas exportações. Nathalia explica que isso gerou preocupações sobre a estabilidade macroeconômica em algumas regiões.“Percebemos também um aumento na busca por ativos considerados seguros, como ouro e títulos do Tesouro dos EUA”, afirma.
Nathalia também destaca que empresas ao redor do mundo começaram a repensar suas cadeias de suprimento, com foco em evitar países afetados pelas tarifas. “Se realmente houver essas mudanças nas cadeias de produtos, o impacto pode ser gravíssimo para alguns grandes centros de produção e exportação”, complementa.
No Brasil
A especialista explica que essas tarifas afetaram a economia brasileira, principalmente, através de mudanças no comércio internacional, nos fluxos de investimento e nos preços globais de commodities.
Outro ponto, é a valorização do dólar e desvalorização do real, o que aumenta custos de importação e pressiona a inflação no Brasil. Isso também pode fazer com que os investidores evitem países emergentes, o que reduz a entrada de capital e pressiona o câmbio e os juros.
Além disso, os EUA são o segundo maior parceiro econômico do Brasil, tanto nas exportações quanto nas importações. Por isso, “a aplicação das novas tarifas, seguida do encarecimento dos produtos, devem mexer diretamente na balança comercial”, explica.
Na véspera do anúncio do tarifaço, o Senado Federal já havia aprovado o projeto da Lei da Reciprocidade Econômica. A proposta autoriza o Brasil a retaliar países que imponham barreiras comerciais aos seus produtos. Após a decisão, parlamentares brasileiros alertaram para os possíveis impactos ao setor produtivo e defenderam uma resposta coordenada do governo federal.
Para Nathalia, o Brasil precisa ter cautela ao conduzir as negociações com ambos os países. “Pode tirar proveito da boa relação que já temos com a China, junto do cenário de discórdia com os EUA, para aumentar as nossas operações com os chineses”, expõe.
A especialista explica que a China consome cerca de 60% dos produtos exportados brasileiros. Dessa forma, é possível que, com o tarifaço, novas oportunidades de comércio com outros países surjam. “Todo esse movimento imposto pelo Trump, pode trazer ainda mais poder e crescimento para a China, ao final”, supõe.
Para Nathalia, essa lei deve ser usada em conjunto com negociações diplomáticas e respeitando os compromissos internacionais do Brasil. “Seu uso excessivo ou mal calibrado tende a trazer mais prejuízos do que benefícios, como novas retaliações, conflitos com parceiros, impactos negativos sobre a imagem do pais, entre outros”, enfatiza.
Futuro
Esses acontecimentos têm gerado preocupações crescentes sobre a possibilidade de uma escalada para um conflito mais amplo. “A polarização entre os países pode forçar outras nações ou blocos a escolherem lados, o que cria um ambiente de exclusão e enfraquece instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio”, afirma.
A especialista explica que isso é perigoso pois essas organizações tradicionalmente atuam como mediadoras de disputas comerciais. Isso dificulta ainda mais a resolução pacífica dos embates e abre espaço para medidas unilaterais, muitas vezes motivadas por pressões internas ou disputas geopolíticas.
Outro aspecto, é a disputa se estender para setores estratégicos como tecnologia, infraestrutura e energia. A especialista explica que isso revela que os interesses econômicos estão cada vez mais entrelaçados com objetivos políticos e militares.
Além disso, quem mais sofre com isso são os países em desenvolvimento, pois dependem bastante do comércio com outros países. “A economia, antes instrumento de integração, passa a ser usada como ferramenta de rivalidade e imposição de interesses”, finaliza.
Linha do tempo
Desde primeiro de fevereiro, a China já havia sido alvo de uma tarifa de 10% imposta pelos Estados Unidos. Em resposta, o país asiático revidou com tarifas adicionais sobre produtos americanos. Isso deu início a uma escalada na guerra comercial e em pouco tempo, os EUA ampliaram a taxação sobre produtos chineses para 20%.
Como reação, a China anunciou tarifas de até 15% sobre produtos agrícolas norte-americanos. Também impôs mais 10% sobre carne suína, pescados, frutas e vegetais.
Trump, por sua vez, estendeu as medidas a outros países. Em segundo de abril, decretou uma tarifa adicional básica de 10% sobre produtos vindos do Brasil, Argentina e Colômbia. Para outros países, as taxas variaram entre 10% e 50%, de acordo com critérios baseados na relação comercial de cada nação com os EUA.
No “dia do tarifaço”, Trump anunciou um aumento de 34% nas tarifas para o país asiático. Este reagiu imediatamente com novas medidas, o que levou o presidente americano a ameaçar uma elevação adicional de 50% caso não recuasse. Como isso não aconteceu, a Casa Branca confirmou uma tarifa total de 104%, e, em menos de 24 horas, anunciou mais um acréscimo, o que elevou a taxação para 125%.
Para os demais países, Trump decidiu recuar por 90 dias. Segundo assessores presidenciais, isso já estava previsto desde o início. A China, por outro lado, endureceu o discurso e afirmou que “lutará até o fim” ao apresentar uma queixa formal à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em 11 de abril, a China aumentou as tarifas retaliatórias sobre importações dos EUA para 125%. No dia seguinte, Trump recuou as tarifas extras relacionadas a smartphones e computadores.