Como o atendimento psicológico online se tornou uma tendência
Lorena Freire
Vivemos na era da informação. Wi-fi, smartphones, video calls e até robôs são cada vez mais comuns em nosso cotidiano. Porém, fica evidente a cada dia o quanto a quarentena imposta pelo novo coronavírus acelerou processos tecnológicos que talvez só aconteceriam daqui a alguns anos. Em razão do isolamento social, pessoas do mundo inteiro se viram obrigadas a se recolher dentro de seus lares. Ainda assim, a vida não podia parar. Serviços essenciais precisavam continuar operando. Como alternativa, alguns serviços nos quais o atendimento presencial se fazia dispensável optaram pelo suporte on-line. Foi o caso da psicoterapia.
A história da psicoterapia on-line começou nos anos 60 nos Estados Unidos com a criação dos primeiros softwares de interação terapêutica on-line, mas foi somente na década de 80 que essa interação passou a ser feita por psicólogos reais, não programas de computador. Entretanto, a história da modalidade no Brasil só começou mais tarde, em 1995, com a chegada da internet ao país. Mas, naquela época, a qualidade dos serviços prestados era um tanto quanto duvidosa, já que não existia nenhum tipo de regulamentação para essa prática e qualquer um podia fazê-la. Com o crescente número de profissionais da saúde mental disponibilizando suporte online e com a atenção da mídia voltada para o assunto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) implementou medidas regulamentando a prática.
A verdade é que o atendimento presencial e o atendimento on-line são muito diferentes entre si. Além da perda do contato olho a olho, da dinâmica e do vínculo médico-paciente, essa modalidade de terapia traz alguns riscos indesejáveis. Estamos falando de ciber ataques e sequestro de dados, como o caso do Centro de Psicoterapia Vastaamo, em Helsinque, na Finlândia. A clínica teve sua rede invadida em outubro de 2020. Os cibercriminosos sequestraram prontuários confidenciais de pacientes e pediram um alto valor de resgate, ameaçando vazar o banco de dados da empresa. Essa violação rendeu um grande escândalo midiático, o que manchou completamente a reputação da clínica, resultando em sua falência. Infelizmente, esse tipo de ciber ataque é mais comum do que imaginamos, e hoje já existe uma legislação que prevê a punição do responsável pelo vazamento de arquivos pessoais de terceiros, a lei geral de proteção de dados (n° 13.709) aprovada em 2018. Em casos como esse, se for constatado que a empresa não possui os requisitos mínimos de segurança, ela pode ser punida.
Mas assim como tudo na vida possui seu lado bom e ruim, a terapia online também tem suas vantagens. Uma delas é a segurança, visto que estamos enfrentando uma pandemia e esse contato mais próximo vem a ser um risco à saúde. Outra vantagem é a versatilidade desse tipo de atendimento, um benefício e tanto para quem tem a agenda lotada. O bolso também agradece, uma vez que na internet já é possível encontrar atendimento psicológico por preços bem mais acessíveis, além de algumas clínicas e profissionais que atendem cobrando taxas sociais para pessoas de baixa renda. E com uma pesquisa mais aprofundada é possível até mesmo encontrar atendimento gratuito.
Segundo o Google Trends, após a instauração da quarentena no país, na semana do dia 29 de Março ao dia 04 de Abril de 2020, as buscas pelo termo atendimento psicológico tiveram um aumento de 88%. Um dos motivos é o crescente aumento de casos de depressão e ansiedade, os males do século. A psicóloga Rosana Oliveira Rodrigues de Freitas, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie traz sua opinião sobre o assunto: “A pandemia trouxe situações que tiraram o sujeito da sua rotina habitual. Novas formas de lidar com o mundo a sua volta, não poder estar perto das pessoas, novas ferramentas tecnológicas, tudo isso pode modificar aspectos psicológicos. Lembrando que não é uma generalização, mas um aumento da ansiedade e do isolamento fica claro nesse período.” E ela ainda acrescenta: “Vivemos em uma sociedade que contribui de várias formas para crises depressivas ou de ansiedade. Alta competitividade, não valorização das singularidades do indivíduo, demandas cada vez maiores, falta de espaço para fazer o que gosta na vida cotidiana, enfim. Tudo isso tem levado a um número grande de sofrimento psicológico”, explica.
Contudo, se adaptar à nova realidade não tem sido fácil. Profissionais e pacientes têm enfrentado desafios ao migrar do presencial para o online. O valor da sessão e a falta de tempo e psicólogos com quem se identificasse foram alguns dos fatores que levaram Noemi Almeida, editora de conteúdo de 24 anos a aderir ao atendimento psicológico online há quatro anos. “Transitar entre o mundo palpável e o online levou tempo. Ainda mais no meu caso, que tenho preferência por olhar nos olhos das pessoas e ouvir suas histórias. Mas meu psicólogo foi muito compreensivo e usou a linguagem de forma muito inteligente para ganhar minha confiança. Por isso é necessário procurar por profissionais capacitados, experientes nessa modalidade de atendimento e que te transmitam confiança”, elucida.
Já a psicóloga Rosana conta como tem sido essa adaptação do ponto de vista profissional: “Como profissional, o desafio é constante pois temos sempre que aprimorar nosso conhecimento para lidar com novas demandas que surgem na clínica e o atendimento psicológico online se tornou uma realidade e nós, como profissionais, vamos ter que nos adaptar pois esse modelo já é realidade e precisa fazer parte do dia a dia, facilitando algumas questões como custo e deslocamento”.
Infelizmente, ainda há muitas coisas que impedem as pessoas de procurar ajuda psicológica. Além do fator social, a psicoterapia ainda é um tabu para grande parte da população. O Brasil é o oitavo lugar no ranking mundial de países com o maior número de suicídios. O DATASUS estima que entre 1996 e 2017 aproximadamente 195 mil pessoas se suicidaram. Dentro da estatística cerca de 79% eram homens, o que significa que pra cada morte autoprovocada por uma mulher, morrem em média 4 homens. Isso se deve a alguns fatores, mas principalmente ao fato da resistência masculina em pedir ajuda, ligada à ideia errônea de ser uma fraqueza ou fragilidade.
Lamentavelmente, essas e outras falácias têm sido transmitidas na sociedade, dificultando a procura por ajuda e até mesmo o trabalho dos profissionais de saúde mental. Ismainny Rayssa Santos, de 19 anos, conta que mora em uma cidade pequena e sofreu com o julgamento ao buscar ajuda psicológica. “Em minha família, por exemplo, fui chamada de louca por fazer terapia. O maior obstáculo que impede as pessoas de buscar tratamento ainda é o preconceito. Falta falar mais sobre a importância dos terapeutas, afinal, todos nós precisamos de terapia, tendo problemas mentais ou não”, comenta.
Um dos aspectos negativos desse formato é a desinformação. Assim como em 1995, muitos charlatões se passam por terapeutas na internet, por isso, todo cuidado é pouco. Falar de saúde mental está “na moda”, e isso faz com que muitas pessoas utilizem de suas redes sociais para tratar do assunto mesmo sem o conhecimento necessário. Cair nas falácias rasas do senso comum sobre autocuidado e saúde mental é muito perigoso, pois pode nos levar a um pensamento errado sobre doenças e transtornos mentais. Isso nos leva a outro ponto muito importante: o autodiagnóstico. Em alguns casos, isso pode ser muito benéfico, desde que a fonte da informação seja confiável e que após a identificação dos sintomas o paciente procure ajuda psicológica. Dessa forma o psicólogo pode fazer o acompanhamento e dispensar a suspeita de alguma psicopatologia ou chegar ao diagnóstico e iniciar o tratamento adequado. Por outro lado, quando isso não acontece, alguns problemas (se existentes) podem ser agravados, além da gravidade da procura por tratamento (não psicológico) e automedicação.
A Thays Torres, de 24 anos é estudante de psicologia e tem feito de suas redes sociais uma ferramenta de informação e aprendizado. Ela considera de extrema importância ajudar a promover saúde mental: “O que aprendo na faculdade eu tento trazer de maneira mais compreensível para que mais pessoas tenham acesso. Enquanto profissionais é o nosso dever promover conhecimento para que as pessoas saibam reconhecer quando precisam de ajuda e utilizar as redes sociais ao nosso favor, pois o futuro é online”, afirma.
A verdade é que o profissional de saúde mental é indispensável. Seja olho a olho, seja através de uma tela, a psicoterapia deve ser levada a sério e considerada todos que desejam uma vida mais saudável. O impacto positivo do atendimento psicológico é real e quem faz indica. Naomi conta que a diferença depois da terapia é visível. “Eu realmente melhorei muito, e consigo ter uma vida menos pesada por causa da terapia. Há um ano meio foi a minha última tentativa de suicídio. E, graças à terapia online, apesar de ter dias muito difíceis, não tenho a menor vontade de fazer isso comigo de novo”, afirma.