Como atletas de alto rendimento mudam a rotina – e a profissão – ao deixarem as competições.
Helena Cardoso
A carreira de um atleta profissional é marcada por momentos intensos, grandes conquistas e, em muitos casos, uma rotina que exige dedicação exclusiva ao esporte. No entanto, mais cedo ou mais tarde chega o momento de “pendurar as chuteiras” e começar a vida fora das quadras. Pessoas antes focadas em um único objetivo passam a procurar outras formas de trabalho e se veem frente a inúmeras possibilidades, seja como professores de educação física, árbitros, técnicos, treinadores, comentaristas e muitas outras profissões. Mas como funciona a transição entre atleta de alto rendimento e profissional de outra área?
De aprender a jogar, a aprender a treinar
Renan Dal Zotto, ex-jogador da Seleção Brasileira de Vôlei, viveu esse processo de perto. Após uma carreira de sucesso, que incluiu participações em três Olimpíadas e anos jogando no exterior, ele optou por continuar trabalhando no mundo dos esportes, mas agora como treinador. “Desde a época que jogava, sempre fui um cara muito poupador”, revela Renan, que já se preparava para o futuro desde os seus anos como atleta.
O jogador conta que começou a planejar sua transição de carreira em 1988, quando se mudou com a esposa para a Itália. Durante cinco anos, anotou treinamentos e conselhos dos técnicos dos clubes nos quais jogava para se preparar para a aposentadoria como atleta profissional, que aconteceu em 1993.
Joycenara Batista, que começou a jogar na Seleção Brasileira de Basquete em 1985, enfrentou um caminho diferente. Após deixar as quadras em 1994 para se dedicar à maternidade, encontrou uma nova carreira na área da educação física. Hoje o basquete não faz mais parte de sua vida profissional, mas é um esporte que ainda ama e que jogou na categoria master há poucos anos.
Atualmente, a ex-atleta trabalha no Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e reflete sobre as dificuldades dessa mudança: “geralmente, os planos de aposentadoria não existem para os atletas profissionais. É muito difícil pensar nela quando se está vivendo uma vida muito intensa”, comenta.
Adaptações
A transição da vida de atleta para outras carreiras nem sempre é fácil. Segundo um estudo publicado pela UNI Global Union, cerca de 47% dos ex-jogadores enfrentam dificuldades para se ajustar à vida após o esporte, especialmente nos primeiros seis meses após a aposentadoria. Esse período é marcado por desafios como a adaptação a uma nova identidade, a perda de rotina e a busca por um novo propósito ou carreira. Além disso, muitos atletas relatam sentir falta do ambiente competitivo e do sentimento de equipe.
Outro relatório, divulgado pela CBA World Academy, indica que 60% dos ex-atletas enfrenta problemas financeiros dentro dos primeiros cinco anos após a aposentadoria, com dificuldades para gerenciar os recursos ganhos durante a carreira. Esses dados revelam a importância de um planejamento financeiro adequado e planos para o futuro enquanto ainda estão em atividade.
Como amenizar a mudança
Carlos Medeiros, economista especialista em economia do esporte, aponta que essa falta de planejamento durante a carreira esportiva ainda é um dos principais problemas enfrentados pelos atletas: “muitos não pensam em investir ou buscar qualificação enquanto ainda estão jogando. A maioria acredita que a carreira durará para sempre, e quando ela termina, enfrentam um mercado de trabalho que exige habilidades que eles ainda precisam desenvolver”, explica.
Para o técnico de vôlei Renan, que desde cedo se preocupava com o pós-carreira, o segredo está em conciliar o amor pelo esporte com uma visão de longo prazo. Joycenara, por outro lado, reforça a importância dos estudos como uma forma de adaptação. Para ela, a graduação em Educação Física foi o que possibilitou a nova etapa de sua vida: “ex-atleta tem que fazer faculdade, ser técnico, professor”, argumenta.
Atualmente, algumas iniciativas têm buscado auxiliar os atletas em suas transições de carreira. Programas como os oferecidos pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) capacitam para trabalhos fora das competições, oferecendo orientação profissional e suporte na escolha de novos caminhos. Joycenara elogia esses incentivos, que não existiam na época em que se aposentou: “hoje existem algumas ações que o COB faz para ajudar os atletas, e é muito legal! Mas no meu tempo não tínhamos nenhum apoio”, ressalta.
Apesar dessas iniciativas, ainda há uma longa maratona pela frente. O economista Carlos Medeiros aponta que políticas de planejamento financeiro durante a carreira, como poupança direcionada e incentivo ao empreendedorismo, são fundamentais para evitar que ex-atletas enfrentem dificuldades. Ele argumenta ainda que “os países que investem em uma transição planejada dos atletas são os que conseguem manter a relevância do esporte em diversas áreas, pois esses profissionais se tornam referência dentro e fora das quadras”, conclui.
Ensinamentos do esporte
Para os que ainda estão competindo, o conselho de quem já viveu essa experiência é claro: quanto mais cedo começar a planejar o futuro, melhores serão as chances de uma transição tranquila. Além disso, a constante atualização (sem que se perca a essência do esporte), qualquer seja a área escolhida para o pós-carreira, é essencial. Joycenara conta que se fosse aplicar em seus alunos os mesmos treinamentos que recebia, seria chamada de louca, “mas os ensinamentos do esporte, os valores, o respeito… isto é atemporal, e com a experiência de ter vivido nele, eu posso ensinar muito”, finaliza.