Aproximadamente 33 milhões de brasileiros não têm o que comer, o que equivale a 14 milhões a mais que em 2020. Situação foi agravada após 2 anos de pandemia do COVID-19.
Gabrielle Ramos Venceslau
Cerca de 33,1 milhões de brasileiros não têm o que comer em 2022, segundo levantamento divulgado na última quarta-feira (8) pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Diariamente, o país soma 14 milhões a mais de pessoas passando fome em relação a 2020. Isso equivale a quase o dobro do número de cidadãos em situação de insegurança alimentar grave.
A pandemia do coronavírus desencadeou uma crise que está diretamente relacionada ao avanço da fome nos últimos dois anos. “A pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria, e traz ainda mais desamparo e sofrimento. Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, aponta Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan.
Além da pandemia de covid-19 e os impactos econômicos da guerra na Ucrânia, esse quadro preocupante se deve também à falta de atuação do poder público, afirmam os especialistas responsáveis pelo estudo. “As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, disse Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan.
Insegurança alimentar
A insegurança alimentar é caracterizada pela falta de acesso completo e estável a comida de qualidade e em quantidade adequada. “A partir do momento em que uma família não consegue comer alimentos que mantenham a saúde dessas pessoas, essas pessoas já estão em insegurança alimentar e nutricional”, explica a nutricionista Esther Artuanne. De acordo com a pesquisa, 125,2 milhões de brasileiros convivem diariamente com algum grau de insegurança alimentar. Este número corresponde a 58,7%, mais da metade da população do país.
A nutricionista explica que o país está passando por um momento crítico em relação ao mapa da fome. “Isso quer dizer que muitas famílias não estão tendo os alimentos essenciais para a sobrevida e a manutenção da saúde”, afirma Esther. Além disso, ela relata situações vividas por famílias brasileiras. “Quando as famílias não conseguem comprar frutas e vegetais porque a inflação impede o consumo desses alimentos ou quando a família passa a consumir apenas alimentos enlatados por serem mais baratos, essas pessoas já estão em insegurança alimentar”, enfatiza.
Além disso, Esther comenta que políticas públicas para o combate à fome do país deveriam ter sido mais efetivas, pois apenas o Auxílio Brasil não é suficiente, uma vez que o valor distribuído corresponde a praticamente uma cesta básica. Ou seja, as pessoas possuem outras necessidades básicas além da alimentação, como moradia e higiene pessoal, por isso, acabam despriorizando a qualidade da alimentação. Ela finaliza dizendo que “a falta de alimentos de qualidade a longo prazo vai gerar uma população doente”, algo que pode desencadear outros problemas.
Descrição da fome no Brasil
Os pesquisadores entrevistaram pessoas de 12.745 domicílios, distribuídos em áreas urbanas e rurais de 577 municípios das 27 unidades da federação entre novembro de 2021 e abril de 2022. A pesquisa relata que cerca de 15% das famílias brasileiras enfrentam a fome atualmente. Fatores sociais e regionais agravam esta situação, mostram os dados:
- é mais presente entre as famílias que vivem no Norte (25,7%) e no Nordeste (21%);
- é maior nas áreas rurais, onde atinge 18,6% dos domicílios;
- é realidade na casa de 21,8% de agricultores e pequenos produtores;
- saltou de 10,4% em 2020 para 18,1% em 2022 entre os lares comandados por pretos e pardos;
- atinge 19,3% dos lares sustentados por mulheres e 11,9% dos chefiados por homens;
- em relação a 2020, mais que dobrou entre os domicílios com crianças menores de 10 anos de idade;
- é maior nos domicílios em que a pessoa responsável está desempregada (36,1%);
- saltou de 14,9% para 22,3% nos domicílios sustentados por pessoas com baixa escolaridade.
- a fome castiga 19,3% dos lares onde a mulher é a pessoa de referência e 11,9% das casas onde o homem cumpre esse papel.