Brasileiro conta os desafios de fugir da guerra na Ucrânia

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Gabriel, que estava em Kiev no momento da invasão russa, descreve a situação caótica que o país se encontra.

Mariana Santos

Há uma semana a Ucrânia tem vivido seus dias mais difíceis desde a Segunda Guerra Mundial. A invasão russa já causou mortes e danos a prédios residenciais e governamentais, provocando a fuga de milhares de moradores que tentam chegar às fronteiras. O brasileiro Gabriel Costa explicou os desafios de abandonar a vida em Kiev para chegar a um local mais seguro.

Quando Gabriel chegou à Ucrânia em 2014, a capital estava destruída. Naquela ocasião, o brasileiro permaneceu no país por apenas três meses, mas em 2019  retornou para trabalhar como professor de inglês. Atualmente, sua ocupação é a gerência de um dos departamentos de uma multinacional. 

Antes da invasão

Segundo o brasileiro, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia estava semi ativa, mas, no ano passado, os rumores de uma possível invasão se intensificaram. “Foi há seis meses que saíram as primeiras notícias de que existia um ajuntamento nas fronteiras, mas a gente realmente notou quando, um mês atrás, ele [o ajuntamento] ganhou uma grande atenção da mídia internacional”, relata Gabriel sobre os soldados russos que estavam na fronteira com a Ucrânia.

Há semanas o governo ucraniano já estava orientando a população a respeito das atitudes que seriam tomadas em caso de guerra. Já existiam cartas de bunkers em várias cidades do país e informações sobre os transportes e rotas de evacuação. Mesmo com todas essas medidas de orientação, era impossível prever até onde iria essa “instabilidade política”.

O início da guerra

No dia 16 de março, o presidente da Ucrânia Volodymir Zelensky decretou feriado nacional como uma resposta aos rumores que indicavam uma possível invasão russa. Para o alívio do presidente Jair Bolsonaro, que decidiu viajar até Moscou para tratar de questões comerciais, a invasão não aconteceu nessa data, contudo, no dia 24 de fevereiro a guerra de fato começou.

Gabriel Costa estava entre os muitos moradores da capital que, por algum motivo, foram impedidos de deixar o país com antecedência. Seja por conta do trabalho, de pendências burocráticas ou até por falta de transporte, milhares de pessoas dormiam em suas casas quando as primeiras explosões aconteceram.

Por morar perto do aeroporto, Gabriel acordou assustado com o bombardeio. Sirenes soaram na capital e então começou a correria para sair do país. O cenário descrito pelo brasileiro em suas redes sociais era caótico: “O metrô está fechado, todo mundo está levando as malas, o pessoal está saindo da cidade à pé, muita gente também está levando os bichos de estimação”.

Efeitos colaterais

Nesse tipo de situação é comum que filas se formem nos mercados e bancos, porém, dessa vez,  nem mesmo os limites de compra conseguiram manter as prateleiras cheias. Segundo Gabriel, apesar do cenário preocupante, o governo tem se empenhado em providenciar mais alimentos e a população pode buscar ajuda em postos de doação encontrados nas estradas.

Devido ao foco na guerra, a polícia emitiu uma nota dizendo à população que não haveria policiamento nas ruas e que só atenderia chamados em caso de morte, além disso, o governo garantiu que qualquer cidadão ucraniano maior de idade poderia receber uma arma de forma gratuita. 

Para se proteger dos bombardeios, que acontecem principalmente à noite, o governo manteve o metrô aberto. Muitas pessoas têm passado a noite com suas família nesses “abrigos anti-aéreos”.  Tais medidas envolvendo a segurança da população assustaram o restante do mundo, porém diante de um cenário de guerra, não restam muitas opções.

Para Gabriel, apesar de todos os perigos de uma guerra, o governo ucraniano agiu de forma exemplar. Ele avalia: “O governo tem sido extremamente orientativo, todo o governo permaneceu no país e eles estão lançando uma nota de imprensa a cada duas ou três horas. O presidente está fazendo lives explicando o que está acontecendo e a imprensa também está super organizada”.

Foram criados grupos no Telegram com diferentes finalidades, desde dicas para abastecer o carro até guias de lugares seguros para se abrigar em caso de bombardeios. A organização das informações pela imprensa ucraniana demonstrou a importância da comunicação em situações caóticas.

Minar a comunicação da Ucrânia está sendo apontada como uma das estratégias russas, já que no dia 1 de março uma torre de televisão foi bombardeada em Kiev. Alguns canais saíram “do ar”, mas não se sabe com certeza a real intenção do ataque.

O caminho até a fronteira

Com o avanço das tropas russas, estrangeiros e ucranianos estão tentando deixar a Ucrânia.  No caso de Gabriel, carona, metrô, caminhada e até roda elétrica fizeram parte da trajetória de fuga que está sendo documentada em seu Instagram @gafemodesto.

Nos vídeos gravados por Gabriel é possível enxergar prédios com marcas de tiros, construções em chamas e veículos de guerra em áreas urbanas. Inclusive, durante a entrevista realizada para essa reportagem, Gabriel interrompeu uma resposta ao passar por tanques de guerra próximos à estrada.

Não dá para medir o risco que a população está exposta ao tentar fugir da guerra, mas é melhor se arriscar viajando por dias e dormindo no carro do que permanecer na capital enquanto prédios são bombardeados.

Infelizmente, sair do país não é uma opção para todos, ao contrário de estrangeiros e mulheres, os homens ucranianos e naturalizados devem permanecer na Ucrânia enquanto a Lei Marcial não chegar ao fim. A medida foi anunciada ao Serviço de Guarda de Fronteiras e permanecerá válida para que homens estejam disponíveis para a convocação do Exército. 

Do lado de lá da fronteira

Em boa parte do trajeto, Gabriel viajou de carona no carro de Cristiane Nedashkovskaya, uma brasileira que mora em Kiev e é casada com um ucraniano. Depois de precisar mudar de rota algumas vezes e passar noites sem dormir, os brasileiros finalmente conseguiram cruzar a fronteira.

“Finalmente, a gente acabou de passar a fronteira da Moldávia! Agora só faltam mais 100km até a gente chegar na Romênia. Vamos lá, gente, só mais uma fronteira!”, comemorou Gabriel em suas redes sociais. A notícia foi motivo de grande alegria nos comentários da publicação.

Apesar de um conflito com o Brasil ser pouco provável, os conflitos na Europa impactam diretamente a economia do país. Daqui do Brasil, familiares e amigos continuam acompanhando assustados as notícias de umas das guerras mais acompanhadas pelas mídias nos últimos tempos.

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