Causado pelo vírus varicela-zóster, o mesmo responsável pela catapora infantil, o herpes-zóster pode reativar-se em idosos.
Gabrielle Ramos
Uma pesquisa analisou registros de saúde de sete anos de idosos no País de Gales vacinados contra o herpes-zóster. Os resultados mostraram que a vacinação está associada a uma redução de 20% no risco de desenvolver demência.
Para a campanha de imunização, apenas pessoas que completaram 79 anos até 1º de setembro de 2013 puderam receber a vacina inicialmente. Nos anos seguintes, a imunização foi oferecida apenas por um ano às pessoas que atingiam essa mesma idade.
A regra, motivada pela oferta limitada do imunizante e pela menor eficácia da vacina em pessoas acima de 80 anos, acabou resultando em um experimento natural. Segundo pesquisadores da Stanford Medicine, isso permitiu a comparação entre grupos com perfis semelhantes, vacinados e não vacinados.
Herpes-zóster e demência
A médica infectologista e mestre em farmacologia Elna Amaral explica que o herpes-zóster é uma reativação do vírus da catapora, contraído na infância. “Ele fica guardado no organismo e às vezes pode ‘acordar’. É como se a catapora voltasse, mas de um jeito diferente”, complementa.
Entre os principais sintomas estão dor intensa, queimação ou formigamento em uma área localizada do corpo e surgimento de bolhas, frequentemente acompanhadas de febre e dor de cabeça. Além disso, a doença pode causar complicações, como dor crônica persistente mesmo após o desaparecimento das lesões, além de problemas de visão, paralisia facial, caso o vírus atinja determinados nervos.
A infectologista esclarece que, em idosos, a herpes-zóster pode evoluir de forma mais complicada devido à redução das defesas do sistema imunológico. Outro fator preocupante é que o vírus pode agravar doenças pré-existentes, tornando o quadro clínico ainda mais delicado.
Já a demência “é uma condição neurodegenerativa progressiva que afeta múltiplas funções cognitivas, comportamentais e funcionais, comprometendo gradualmente a autonomia e a qualidade de vida do indivíduo”, esclarece Ciro Férrer, pós-graduado em Geriatria e Gerontologia e Neurociência e Comportamento Humano.
A progressão da demência vai desde esquecimentos sutis e dificuldades em tarefas complexas até o comprometimento da linguagem e a perda quase total das capacidades cognitivas e motoras. Por isso, Férrer destaca que estratégias não farmacológicas, como estimulação cognitiva, prática regular de atividade física, alimentação equilibrada, socialização, sono de qualidade crônicas têm se mostrado eficazes na prevenção e no retardamento do avanço da doença.
Qual a relação?
A forma mais comum de demência, o Alzheimer, é responsável por cerca de 60% a 70% dos casos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, há décadas, a ciência concentra seus esforços em entender os sinais dessa doença na tentativa de a prevenir.
Pesquisas como a realizada no País de Gales oferecem uma nova perspectiva ao sugerirem que vírus latentes no organismo, como o herpes-zóster, podem desempenhar um papel no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas.
O neurologista Pedro Fraiman esclarece que as demências são processos neurodegenerativos, enquanto o herpes-zóster é uma infecção viral, o que torna a relação entre ambos aparentemente distante. No entanto, “estudos recentes indicam que a vacinação contra o herpes-zóster – já disponível no Brasil, porém ainda não integrante do calendário vacinal geral – pode auxiliar na proteção contra a infecção, bem como na proteção do cérebro”, afirma.
A mestre em farmacologia ressalta que os cientistas ainda investigam os mecanismos exatos dessa relação, mas duas hipóteses se destacam. A primeira é que o herpes-zóster provoca inflamações que podem impactar negativamente o cérebro. Em outros casos, o vírus pode atingir diretamente os nervos da cabeça. Em ambas as situações, a vacina pode fortalecer o sistema imunológico o que torna o organismo mais preparado para combater o vírus e reduzir possíveis complicações neurológicas.
Importância da descoberta
Pedro explica que essa descoberta representa um método de prevenção consolidado, seguro, acessível e eficaz, especialmente quando comparado aos tratamentos recentes para demência, que ainda apresentam resultados insatisfatórios e altos custos. “Posteriormente, a melhor compreensão desse processo pode permitir um maior entendimento de como a doença funciona e permitir o desenvolvimento de terapias mais eficazes no futuro”, aponta.
Férrer, que também é arquiteto e trabalha na criação de ambientes que auxiliem as pessoas em diferentes estágios da demência, enfatiza que a introdução da vacina representa uma mudança de paradigma no cuidado à velhice, pois promove uma abordagem preventiva e proativa. “Ao invés de intervir apenas diante do agravamento de quadros clínicos, passa-se a priorizar ações que preservem a autonomia funcional, reduzam internações e melhorem os indicadores de bem-estar”, diz.
Apesar disso, a infectologista ressalta que a maioria dos estudos se limitou a observar as pessoas. “Faltam estudos mais aprofundados, então ainda não temos certeza absoluta que a vacina causa a proteção contra demência”, garante.